sábado, 24 de agosto de 2013

Joana no Palácio


Mesmo considerando que o palácio Nacional da Ajuda se encontra inacabado na ala poente, apesar dos vários projectos existentes para o seu remate final, mesmo verificando que há muita gente nas bilheteiras, mesmo aproveitando os meses de férias da maioria dos portugueses, a verdade é que ainda foi preciso estar na fila cerca de meia hora para visitar a exposição de Joana Vasconcelos.
A partir de 13 de Agosto, a notícia dizia mesmo que se tornara na exposição individual temporária mais vista de sempre em Portugal, ao atingir o visitante número 178 mil. A fórmula não é nova. Juntar arte e história sempre foi um motivo de romagem e apreço, duas forte razões pelas quais se viaja e se observa. Foi também esse o mote da exposição da artista em Versailles, também ela recordista em número de visitas desde há cinquenta anos. Fosse a exposição em Queluz, no Pitti de Florença ou no Real de Madrid e o encantamento seria idêntico.
O Palácio Nacional da Ajuda foi residência oficial da monarquia portuguesa até Outubro de 1910. Construído na primeira metade do século XIX, talvez até mais do que a história e o seu actual protagonismo em algumas cerimónias protocolares de representação do Estado, seja o património artístico que encerra, agora enriquecido pelas obras de Joana Vasconcelos, a relevar essa atractividade.
Embora não se perceba de imediato, para além da antiga biblioteca régia e da Galeria de Pintura do rei D. Luís, o palácio é farto em cerâmica com um acervo de 17 mil peças, em escultura com cerca de 400 obras, fotografia com cerca de 7 mil peças, joalharia com as Jóias da Coroa e as do Quotidiano, ourivesaria com as pratas da coroa, a religiosa e a decorativa, para além dos 450 óleos e das 12500 peças de vidro provenientes da antiga Casa Real.
É entre estes milhares de peças artísticas, que a Noiva – o lustre mais salutar da exposição - o Coração Independente – o músculo mais plástico daquele espaço – ou, Marilyn - o par de sapatos de mulher português mais icónico – que Joana Vasconcelos escolheu expor as suas obras mais antigas.
Ilha dos Amores
A par destas, estão outras, mais recentes, como o Lilicoptère – um helicóptero que tinha feito as delícias de Liberace - Perruque – uma espécie de esporo ornamental – ou, War Games - um estilizado veículo de gangsters.
A criatividade é um dos elemento comuns à exposição. Logo associada ao lugar também. É raro ver obras recentes expostas em palácios. Depois, se no conceito de criatividade envolvermos a dimensão, a articulação das cores e dos materiais, alguns dos temas, e a associação entre o espaço de exposição e as obras.
Ou seja, foi preciso olhar para o espaço para depois o complementar. Foi preciso olhar para as peças expostas para lhes juntar as agora criadas. Foi preciso juntar os dois olhares e articulá-los com as ideias. O resultado revelou-se gracioso, provocatório e mesmo divertido.
Vitrail
Apesar do tema de algumas peças ser repetitivo – casos dos animais – outras, destacam-se pela característica de singularidade - caso dos ramos de flores animados feitos com ferros de engomar - outras ainda pela particularidade de mimetismo – caso da “Noiva”, “lustre” feito com preservativos.
Embora a dimensão da maioria das peças seja grande, algumas são enormes e outras gigantescas. Na maioria dos casos, o espaço deve ter ditado essa abordagem. Em outras, algumas peças enchem o espaço, chegando a subjuga-lo, como seja o caso da “Royal Valkyrie” que parece não caber na sala.
As texturas também são variadas, embora os animais tenham recolhido a preferência do croché.  As plumas, os plásticos, os metais, os tecidos, os acrílicos, conjugam-se com cores garridas, dégradés ou monocromáticas.
Outra articulação particularmente feliz e julgo que facilmente reconhecida é a que se estabelece entre algumas peças e o espaço e/ou a decoração do espaço, como seja o caso de War Games, Vitrail, Marilyn, Noiva ou Lilicoptère, tão bem enquadrados, que parecem ter estado ali o tempo todo.
Lilicoptère
No palácio, é habitual algumas salas estarem numa semi-obscuridade pungente. A falta de luz prejudica muito a observação das peças. As filas desmotivam, o calor exterior e o preço que podia ser mais acessível, também não favorecem. Palácio e exposição são gigantes.
Apesar de encerrar peças de valor artístico e estético excelente, o acervo do palácio é, digamos, pesadão, escuro, repetitivo. E a falta de luz não ajuda a observação. Na exposição há demasiadas coisas para ver, pelo que talvez se percam algumas árvores em favor da floresta.

Oliver Shanti - Beautiful of This World
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