sábado, 25 de agosto de 2012

A Era dos Palácios II - MONSERRATE

Agosto 2012

"Os jardins são lindíssimos. Mas o palácio deve ser extraordinário...!". Era o que dizíamos todos os anos, sempre que lá íamos. Mas, inexoravelmente, ano após ano, saíamos muitas vezes sem sequer vislumbrarmos a extensão do corredor nem a dimensão das salas. Ora as janelas estavam tapadas com papeis, ora o espaço interior estava ocupado com andaimes. Depois, até os jardins perderam muito do encanto (e da conservação). Jardim e palácio pareciam condenados ao degredo.
Sintra continua a ser um sítio diferente. A vila e a serra são propícios ao ócio, mas também motivadoras de outros labores. São capazes de atrair quem gosta de visitar monumentos, passear na floresta, sentir a frescura da sombra das árvores ou escutar o fluir da água dos ribeiros, elementos de lazer e satisfação para os quais hoje parece não haver tempo ou paciência. Mas também são capazes de cevar paixões, estimular a invenção, despertar a imaginação, motivar a criação.
Monserrate, especialmente o palácio de Monserrate, é um desses sítios em que foi preciso paciência e tempo para o ver arranjado, recuperado, restaurado. Mas, sobretudo, aberto ao público. Há quem escreva que esteve fechado durante meio século.
É preciso tempo para visitar aquele espaço. 
Monserrate é plural: jardins, palácio, caminhos, cascatas, lagos. E espaço, sobretudo muito espaço, num sobe e desce de trilhos, ora com veredas estreitas ora com superfícies amplas. Agora, com mais caminhos construídos, mais espaço arrebatado ao mato, é preciso mais tempo para os descobrir e percorrer. E, para quem não seja munícipe, também tem de ter a paciência de pagar a entrada, a sete euros por adulto.
Estar em Sintra, é deparar com romantismo em cada canto. Monserrate partilha inevitavelmente desse ambiente lírico, especialmente dedicado ao sonho e à fantasia, que os caminhos estreitos, sombrios, escapados; os declives abruptos; os calhaus semeados nas escapas; a vegetação luxuriante; os lagos ocultos; as mansões assombradas ou esotéricas, instigam. É essa esfera inspiradora que atrai à simples observação da natureza, ou à leitura, ou ao estudo. Mas também à arte, ao raciocínio, à criação.


JARDIM

Devaneio, amores, filosofias, dramas ou utopias à parte, seja qual for a visão individual do mundo e da vida, a estética do lugar não deixa de impressionar, por muitos jardins e palácios que existam ali perto. Estes, de Monserrate, são diferentes. Pela concepção e pelas espécies naturais do jardim, e ainda pelo estilo arquitectónico do palácio.
A estética do jardim aproveita sobretudo o declive e o microclima do lugar. Os caminhos enovelam-se desde os pontos mais altos - entrada e palácio – até aos pontos mais baixos – lagos. Beneficia também dos cursos de água para criar duas cascatas e os lagos no “vale”. Ainda ficaram muitos dos trilhos tradicionais, com piso em velhos paralelepípedos. 
Agora as veredas multiplicaram-se, sendo em piso misto de terra/areia batida mais fáceis ao pisar e provavelmente mais permeáveis às raízes. Apesar de ficar situado na encosta noroeste da serra, menos exposta ao sol, a temperatura chega a parecer tropical, e o vento, tão presente na vertente sul, está ausente.
Conceberam-se agora zonas novas: o jardim do México e o Vale dos Fetos. Um reúne um conjunto floral típico daquela região e o outro reúne numa das vertentes uma capa de fetos que vai quase até aos lagos. No primeiro, sente-se muito a humidade (própria de florestas tropicais), no segundo, a frescura proporcionada pela sombra dos fetos mais altos. Uma e outra, tem os seus lugares de água – riachos, pequenas cascatas, lagos.






















O parque tem agora mais bancos, mais sítios para parar, mais motivos para excitar os sentidos. Continua ser possível observar os animais, desde os pequenos insectos aos batráquios, passando pelos pequenos repteis e pelas aves que pousam nos troncos mais altos. Árvores, plantas e flores estão agora mais visíveis, mercê de alguma desmatação efectuada.

Mas também é possível perder o olhar em redor, simplesmente. Ou então, estar, descansar os ouvidos sem ruídos de maior que não sejam o da passagem dos turistas. Ou, ainda, cheirar, sentir o odor ambiental, a mistura de perfumes das flores e das fragrâncias das plantas que tudo envolvem.
Muitas continuam a cercar e a enlear, por exemplo, o destroço da ermida que fica a meia-encosta, uma espécie de ruína de Gondor destruída por Orcs ("O Senhor dos Anéis"), onde as raízes e os troncos das árvores e gavinhas das trepadeiras abraçam  janelas e portas, e deslizam pelo telhado ausente. Fazem-no há anos, há décadas, e as paredes ainda resistem. É um sítio estranho, intimidante, mas simultaneamente sedutor.
Talvez seja daqueles lugares que alguns apelidam mágicos. Afinal estamos no Monte da Lua, um lugar misterioso mas fascinante, de ascendência celta e descendência romântica. Aliás, a serra está prenhe de exemplos de culto esotérico, que contempla praticamente todas as edificações mais notáveis, como sejam o Castelo dos Mouros, o Palácio da Pena, o Palácio da Vila, a Quinta da Regaleira.











Exclusiva é também a diversidade de espécies de plantas que o parque possui. Essa variedade contempla vegetação oriunda de todo o mundo, desde as espécies nacionais, passando pelos fetos australianos, pelas palmeiras mexicanas, pelos bambus do Japão, um conjunto ímpar de riqueza botânica.
Outro espaço singular é o da cascata de Beckford, em cujo pequeno lago pousam nenúfares que o cobrem em grande parte. Associado está o arco de Vathek, pouco antes da cascata que continua a emprestar aquele lugar uma aura de mistério, aliando aquela zona mais húmida, sombria e íngreme, à beleza da queda de água, das espécies vegetais envolventes, do lago e da pequena ponte de pedras. 
Estivéssemos na Quinta da Regaleira e certamente alguém alertaria para um caminho iniciático… que não é difícil de presumir entre a cascata/arco, o falso cromeleque, o arco indiano, a ermida, e o próprio palácio, não excluindo um ou outro riacho nem os lagos do vale…
Música: Carlos Santana, Caravanserai


PALÁCIO


O responsável principal por este pictórico conjunto, foi o milionário inglês Francis Cook que, no final do século XIX mandou construir o palácio e os jardins. Ao longe, o palácio pode parecer como um pavilhão abobadado de inspiração árabe. Mais perto, embora alguns elementos árabes lá estejam, notam-se outros clássicos, góticos e indianos.

É o feliz conjunto destes estilos que faz do palácio ex-libris do espaço. As três cúpulas de inspiração indiana, as janelas góticas, um alpendre com arcos e azulejos de estilo mudéjar, além dos estuques de influência árabe e dos bustos clássicos no interior, fundiram-se numa linguagem estética tão singular e que tanto fascina.





















A mim, além da singularidade das cúpulas, cativou-me sobretudo a noção de perspectiva criada com o vazamento provocado pela profusão sucessiva de pequenas colunas, para além do rendilhado dos arcos e de alguns dos elementos decorativos dos gessos. A sala da música é muito acolhedora, a biblioteca atraente, os átrios também são simpáticos e os espelhos em duas salas dão uma ideia do que seria a decoração interior. 
O mobiliário original já lá não está - provavelmente é na biblioteca que está a maior parte - sendo recente o pouco existente na sala da música e em uma ou outra dependência.  No piso superior, onde seriam provavelmente os quartos, não há qualquer peça de mobiliário. Todavia, vale a pena descer à cozinha e perceber como funcionava aquele gigantesco fogão.
Fio condutor ou elemento comum ao palácio e ao jardim, é o toque artístico, o cenário romântico, o ambiente quimérico que conjugam. Um e outro contemplam-se, um dominando a colina, o outro ocupando o solo como um prado. Um e outro completam-se, conjugando o talhado dos elementos decorativos do palácio e o recortado dos troncos, ramos, flores e folhas do bosque.





















É um sítio de eleição para quem queira ser envolvido pelo romantismo que cerca a região da serra de Sintra. É um local fresco, sossegado, perfeito para ler ou simplesmente perder os olhos pelos panoramas, um lugar de onde até o mar se alcança com a vista. Depois, o sonho fica mais à mão e a fantasia pode instalar-se à vontade, para que os sentimentos se manifestem. Ideal para especular, magicar, pressentir. Excelente para (re)criar um mundo, uma vida, uma estória.
Música: Carlos Santana, Caravanserai