Visita ao Palácio de São Bento, Novembro 2010
O edifício é majestoso. A escadaria de acesso é imponente e a dimensão da fachada arrebata. No topo, o omnia pro patria (tudo pela pátria), surge mandatório. O espaço desafogado que envolve o edifício, sobretudo a fachada, contribuiu para a sua ampla visibilidade. De fora, é impossível não calcular que ali deve haver muita gente. De dentro para fora, porém, não existe a mesma perspectiva.
Já dispôs de dormitórios, barbearia, cozinha, refeitório, adegas, lagar, forno e oficinas. Albergou uma Casa de Saúde que serviu para acolhimento das vítimas do surto de peste dos anos 69/70 do século XVIII. Foi Palácio das Cortes. É lá que, hoje, se reúne a Assembleia da República.
Chegámos pouco tempo antes do previsto, mas a visita começou pouco depois do horário previamente indicado. Privilegiou-se o “cabe sempre mais um”, independentemente do “vamos começar a horas”. Na espera, aproveitámos para olhar para fora, descobrir o que está enquadrado entre as colunas da fachada: são partes de casas, paredes e telhados, que parecem sobrepor-se num espaço exíguo. É uma das imagens que se vê para fora. No andar superior, no Salão Nobre, o panorama é idêntico embora ligeiramente mais aberto. É a imagem que os deputados têm de Lisboa e do que os envolve.
Depois, enquanto esperávamos o início da visita, já no interior, olhámos para dentro. No singelo claustro – tão ao gosto monacal – um busto estilizado da poetisa Natália Correia contemplava o jardim, acompanhado por outros dois antigos membros do parlamento, o da primeira mulher deputada a destacar-se na Assembleia da República e o de Amaro da Costa. Os restantes ilustres estão no átrio, em fila institucional.
O Palácio de São Bento tem as suas origens no primeiro mosteiro beneditino (monges negros) edificado em Lisboa, em finais do século XVI. São cinco séculos a separar a proliferação de mosteiros daquela Ordem no primevo Entre Douro e Minho e o seu aparecimento na capital. Ao cabo de outros cinco séculos, contestam-se os novos inquilinos por não estarem a cumprir as regras do santo beneditino. Muito oram, mas pouco laboram.
Seguimos até ao átrio, o antigo espaço da (pequena) igreja do mosteiro. Nas paredes há diversos nichos ocupados por bustos de (outras) personalidades que se destacaram na assembleia. De Bernardino Machado a Afonso Costa, de Salgado Zenha a Sá Carneiro. É a entrada nobre, mas não sei se tem muito uso.
Entretanto, a meio átrio a escadaria parece chamar-nos à parte e convidar-nos a subir. Em cima, o espaço surpreende com dois trípticos. Um intitulado “defesa da pátria” e o outro “prosperidade da nação”, parecem desadequados do momento que vivemos. É a partir daqui que o ambiente se modifica.
Com efeito, após o espaço gótico da escadaria, começam a impor-se os mármores e os dourados. Estamos no lóbi da "sala das sessões", nos “passos perdidos”. Muitos espelhos, figuras de animais, luzes baixas a nomear os dourados, a cera dos tacos brilha e a grande clarabóia inunda a sala de luz. Alguém se perde, ali?
Porém, parece haver mais luz no exterior do hemiciclo do que no interior, na "sala das sessões". Esta é a que comummente se chama "parlamento", a sala que mais aparece nas imagens de televisão. Mas deve ser neste lóbi, porém, que a magia acontece. Está dissimulada, quase não se percebe, mas a meio desta sala está patente uma exposição sobre o Parlamento...
Excluindo os tectos, onde a “lex” resplandece, o brilho confina-se às luzes dos candeeiros que realçam os frescos. Estes são figuras maioritariamente seminuas. Brilham por si. Mas também é verdade que todo o conjunto está extremamente bem conservado. A preservação é assunto sério no Parlamento.
Há um contraste imenso entre o hemiciclo e o lóbi. O primeiro abafa com a escuridão da madeira, a pouca luz que penetra através de uma pequena clarabóia e a iluminação indirecta artificial. O segundo está iluminado pelo fulgor do dourado, da luz que entra por uma grande clarabóia, pela claridade dos mármores das paredes, pelo brilho do soalho. Há uma nitidez no lóbi que não existe no hemiciclo.
Um quadro gigantesco de D. Luis ainda defronta os senadores na Sala do Senado, outro hemiciclo, mais pequeno mas mais claro. O espaço era o da antiga Sala do Capítulo do mosteiro, depois Câmara dos Pares. Hoje, mantém a mesma utilidade mas num ambiente menos aristocrático. Destina-se a reuniões parlamentares, conferências e seminários.
Porém, quando voltamos aos corredores, regressamos ao ambiente monacal. Os móveis são escuros, as molduras também, a luz é escassa, os objectos decorativos têm pouca cor. Sóbrios e umbrosos, corredores e hemiciclo, partilham ambientes propícios à reflexão… e ao esquecimento.
Depois, fomos ao Salão Nobre, que é isso mesmo: nobre. Em dimensão, claridade, decoração. Nas paredes, as pinturas de episódios dos “descobrimentos” surgem num tamanho considerável. O “pé direito” é alto, as paredes são claras e há muita luz. É preciso dobrar o pescoço para observar todo aquele império.
Sendo a dependência mais alva é também a que melhor contacta com o exterior. Das janelas, descortinam-se mais telhados, mas também mais paredes, mais casas, mais cidade, do que por entre as colunas de entrada. Mesmo assim, apenas se divisam "cimos". Dificilmente se tem uma ideia de conjunto.
Deixamos São Bento sobre um imponente piso de madeira, onde ainda há vestígios do antigo chão de pedra. Nas paredes, excelentes azulejos ilustram episódios da vida do padroeiro do antigo mosteiro: São Bento. Estávamos no antigo refeitório dos monges beneditinos. Ou seja, saímos pela porta da cozinha. Na verdade, abandonávamos o edifício atravessando a biblioteca parlamentar.
Vale a pena ir. Olhar o Palácio e o olhar o Parlamento, comparar o espaço e a utilidade, confrontá-lo com outros palácios com outras utilidades. Em matéria de configuração, parece-me que são os hemiciclos que o distinguem dos outros. Em matéria de utilidade, já teve melhores dias. Melhores virão.
Mas há mais que o identifica e influencia a dinâmica dos residentes. Enquanto mosteiro, nota-se estar virado para dentro, para si próprio. A distribuição dos espaços fazia-se em função da necessidade de concentração nos assuntos espirituais. Essa configuração não mudou muito. Continua a privilegiar-se o espaço interior. Simultaneamente, o acesso visual ao exterior mantem-se exíguo, gótico. É capaz de a relação com os outros sair penalizada.
Música: Arrival to Earth, Steve Jablonsky
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