sábado, 23 de agosto de 2025

Uma Hora com Gárgulas


Para lá, a opção foi a A8, para ser diferente, porque tem menos trânsito, porque o trajecto é mais curto e mais rápido. Mas a AE do Oeste, também tem desvantagens. Por volta de Óbidos já pingava nos fatos de Verão…

 A proposta não foi nossa. Veio de Leiria, da Teresa e do David. Foram eles que nos puxaram para o Mosteiro da Batalha. A visita seria orientada por Ana Patrícia Alho, alguém com cátedra no assunto, em matéria de gárgulas.

 

É nos telhados do mosteiro que dominam as gárgulas, figuras monstruosas, fantásticas, humanas ou animalescas, como habitualmente as identificamos. O mosteiro da Batalha possui somente o maior conjunto de gárgulas da Península Ibérica.

 

Aderimos, incondicionalmente. Juntámo-nos à entrada, com mais meia dúzia de curiosos interessados. Começamos pela base, mas rapidamente a deixámos a caminho dos “andares” de cima, em busca das gárgulas.

 

Antes, porém, o gótico casa-se com manuelino, um pouco por todo o conjunto. O renascimento assalta-nos logo nas Capelas Imperfeitas. Mais caima, surgem o rendilhado dos elementos decorativos, as flores de liz e os vitrais (alguns, só vistos desde o telhado do claustro).

Estamos quase ao nível dos telhados mais baixos, onde se começam a ver as primeiras gárgulas. A sua função utilitária, a hidráulica, mas também a mais escondida é de, como relevantes elementos de um sistema complicado de caleiras, escoar das águas pluviais.

 

A outra função, a simbólica, não tão evidente, defende-se estar relacionada com um conjunto de aspectos que vão desde o feérico / grotesco, com a religião / ascensão da alma, com a sexualidade / corpos nus, com a fecundidade / relevante para a vida.

 

Essa expressão simbólica, aliada à representação religiosa, prende-se com cultos antigos (situados fora da religião dominante, catolicismo) e mostra figuras pagãs licenciosas e até símbolos esotéricos.

 

Há quem tenha notado que, em matéria de sexualidade, “a grande maioria das gárgulas femininas encontram-se desnudas e uma das gárgulas masculinas tem o pormenor de estar a segurar no sexo”.

 

Outro aspecto, relaciona-se com o bestiário medieval, que popularizou animais fantásticos e seres (humanos) tremendos, estando presentes uma profusão de animais, quer disformes, quer reais, quer fantásticos ou monstruosos.

 A maioria das peças são uma representação animal, humana e fantástica, quase em quantidades idênticas. Confundem-se várias espécies, de animais na mesma figura ou  misturam-se figuras de animais e humanas.

 

A imagética, essa, também é tão diversificada como exótica. A variedade é tão grande que é possível identificar quase três dezenas de figuras diferentes. Podem ser objectos, figuras antropomórficas, animais, humanos, seres híbridos.

 Para mim, os mais curiosos são os híbridos e os divertidos. Um ser humano alado, outro ser humano com cara de homem e corpo de leão, ainda outro humano embelezado com colar de guizos ou um porco com gargantilha.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Arte em Praga


Há sempre tanto e tão enriquecedor para partilhar n/das “velhas” cidades europeias. As da Europa Central mantêm o acento tónico arquitetónico no barroco. Praga também, mas não só.

A arte está por todo o lado, independentemente do estilo, da época, do autor, do sítio.  Desde o cemitério, ao castelo, das ruas aos pátios, das fachadas aos telhados, das estátuas às esquinas.


Há folclore à volta do Memorial Jan Hus. O Relógio Astronómico junta multidões na Praça da Antiga Cidade. Em redor, multiplicam-se os pináculos góticos.

 A Torre da Pólvora, uma das antigas portas da cidade, fica perto da zona dos espectáculos teatrais. Da Ponte Karlov, um ex-libris da cidade, vê-se a colina de Hradčany e o castelo no topo.

 

Lá, a Rua Dourada junta um conjunto de lojas, tão pequenas como antigas, que levam à Catedral de São Vito, outra joia do gótico local. Em baixo, é o rio Vltava que domina, bem como um conjunto de pontes que o atravessam.

Há esplanadas, flores, casas com paredes coloridas com cores suaves. Casas de marionetas checas, o Muro de Lennon e o divertido labirinto de espelhos da Torre de Petřín


Junto do rio, as marcas das cheias mais terríveis chegam ao topo da porta do Bistro Bruncvick. E também por lá anda o Bom Soldado Svejk, personagem de uma famosa novela satírico-humorística inacabada de Jaroslav Hašek.

A rua Parizska é o ex-libris das compras, onde algumas lojas têm seguranças. Estão aqui as marcas mais caras. No estacionamento, percebe-se pelos modelos mais famosos de carros, ao que vêm os clientes.  

No chão, os habituais mosaicos metálicos com a identificação de judeus assassinados durante a Segunda Grande Guerra, neste caso, Oskar  Schwarzkopf, transportado de Terezín para Auschwitz em 1943.

Uma Harley estilizada à porta da Steel Art, convida a sentar. Dentro da loja, um conjunto de outras peças produzidas em aço, como sejam, a do Predador, da Guerra das Estrelas, etc..

A arte está de mãos dadas com Kafka. E estão por todo o lado,  diversos e fascinantes. Há bonequinhas penduradas, bebés enormes de David Cerný, além do artesanato de madeira fina e leve.

De um dos lados de uma ponte, está a Torre Dançante, projetado por Vlado Milunić e Frank Gehry, como homenagem a Vaclav Havel, Fred Astaire e Ginger Rogers.

A cabeça rotativa de Franz Kafka, mais uma obra de David Cerný, em homenagem ao escritor, especialmente à obra "A Metamorfose”, junta muita gente perto de uma estação ferroviária.

O monumento a Franz Kafka, pelo escultor Jaroslav Rona, perto do museu judaico, também. Mais afastadas, a “espiral”, de Martin Steinert, no Centro de Congressos, bem como os personagens estilizadas nas muralhas do antigo castelo de Vysehrad

 

Os (talvez) caçadores pré-históricos de Michal Gabriel, percorrem os jardins do cemitério de Vyšehrad, onde estão sepultados  famosos escritores, médicos e cientistas a poetas, artistas, atores, compositores e políticos checos.

 


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Aldeia Saloia. Mestre João Franco

 Quém é daqui, sabe o que era e onde estava. Não havia ano em que não houvesse visita ou viagem de estudo., com pais ou professores e colegas de liceu. O rural, apesar de não especialmente atractivo para os jovens urbanitas, deixava algum impacto.


A memória vai, aos puxões, para as miniaturas animadas mecanicamente, para a estética da(s) “aldeia(s)” - a das lojas e a das miniaturas - e para algumas figuras de barro, feitas pelas mãos do Mestre Franco e da sua mulher Helena.

Estamos na Aldeia Museu José Franco, em Sobreiro, Mafra. Foram eles que a moldaram, foram esles que criaram um dos espólios artísticos ligados à olaria desta região.  Mas não só. Todo espaço evidenciava um património cultural importante.

Ainda situada numa região, a que uns ainda chamam “saloia”, o património rural ligado aos usos e costumes, especialmente aos trabalhos da terra, à arquitectura aos utensílios, à produção de bens primários, estava lá representada.

 Hoje, a cerâmica mantém a sua presença, com a sala de trabalho e uma sala de exposições onde se encontra parte da obra do Mestre. O coreto domina o pátio, a par da nora e até uma espécie de muralha com adarve.

Notória, a tipicidade dos sítios, incluindo o restaurante ou a adega, além do sítio da forja, do ferrador, da sala de aulas da escola primária, do cantinho dos instrumentos musicais, do sítio dos barcos, alfaias, carroças, etc.

Há uma Mercearia da Aldeia, com mobiliário típico do início do século passado, mas com produtos que ainda lembram esses tempos. Na Padaria, o pão tipico, habitualmente apelidade de Pão de Mafra, mantém a tradição e mantém-se como uma especialidade local.

Uma boa meia hora, sem grande afluência, num dia de semana, dá para deambular calmamente pelos meandros da tradição rural saloia. E, igualmente, recordar outros tempos, quando não davamos puto de atenção a alguns detalhes que fazem parte da nossa identidade.