quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Lezíria, de moto entre o Tejo e o Sorraia

Deixamos Vila Franca de Xira e saímos do asfalto depois da ponte Marechal Carmona. Entramos na lezíria. Estamos numa várzea ou planície de inundação, terrenos baixos e alagadiços nas margens de um rio.

O trilho vai em terra batida no início. Depois, também há muita pedrinha solta, daquela que nos faz navegar em duas rodas. Em redor, é o solo de aluvião que domina a paisagem.

O horizonte estende-se pela lezíria como se de mar se tratasse. Vê-se até ao fim do mundo. Mas nao estamos no oceano, embora estejamos rodeados de água. Temos, claro, pelo menos, o Tejo como companheiro.

 

Dizem ser terrenos fertéis de cultivo, dedicados à produção de arroz. Dos cavalos, gado e campinos não vi rasto. Mas o que se vislumbra de imedito é um pequena construção em altura no meio de nada.

Quase como farol, neste caso não de aviso à navegação, mas dedicada a Nossa Senhora de Alcamé, surge uma ermida, de grandes dimensões para o local, de traça barroca, paredes brancas e grossas para aguentar intempéries.

Há quem relacione “al jazeera”, península, em português, à palavra lezíria. E o termo, "Alcamé", deriva do árabe "achmé", que significa trigo. Fertilidade e religiosidade misturam-se para assegurar ordem.

A ermida tem origem no últmo quartel do século XVIII. A romaria que ainda leva muitos peregrinos ao santuário, teve iníco no início do século XIX, mas só foi retomada nos anos 40 do século XX, durante poucos anos, tendo ressurgido na viragem do último século.

 

Em redor da ermida a planície estende-se para o rio. Ao longe, vêem-se as margens com algumas casas e pequenas elevações. Voltando os olhos para a lezíria, há algo de novo: dezenas de cegonhas parecem imóveis.

Não estão. Bicam lentamente o pântano em busca de alimento. Lentamente, algumas afastam-se sem pressa alguma. Daí a nada, já não está lá nenhuma. A lezíria volta à calma e ao silêncio com que me acolheu.

Deixo a várzea no sossego que encontrei. Paro uma ou duas vezes para perceber que há canais de irrigação e alguns mecanismos relacionados com a água. Abandono os trilhos poeirentos e pedregosos, entre a canais, pântanos e terra firme.

Deixo a planície onde o Tejo e o Sorraia escoltam o extenso verde. Por lá, ficam os sapais, os açudes, os mouchões. Estive na Reserva Natural do Estuário do Tejo. Hei de aqui voltar. Há muito mais para descobrir.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Forte do Abano

Forte do GuinchoForte das Velas ou Forte do Abano, localiza-se sobre a praia do Abano, em Alcabideche (Cascais), mas toda a gente conhece o sítio como Guincho. Vou chamar-lhe Forte do Abano.

Vê-se bem desde a praia do Guincho, sobre uma falésia. Até lá, desde a estrada de asfalto, são 1200 metros em terra batida, nem sempre tão lisa que permita rodar sem atenção a alguns regos mais profundos provocados pela água.

Mas faz-se bem, sem dramatismos com uma moto para trail. Há pó, não muito tráfego, mas é preciso parar à frente do estacionamento da praia do Abano. Aqui, a circulação de Ubers indica que o acesso à praia não é fácil para automóveis particulares.

Deixei passar um carro. Devia ter esperado. Levanta-se pó que me envolve e à moto. O condutor do carro percebeu. Encostou para me deixar passar. Parei ao seu lado e agradeci. Continua a haver pessoas que olham em redor.

Depois, é continuar até uma curva fechada, de onde se vê um edifício em pedra à direita, com alguns carros estacionados na proximidade. Mais abaixo, está o Forte do Abano, isolado, quase pendurado à beira da falésia.

O forte foi construído em 1642, durante a reorganização do sistema defensivo da Barra do Tejo, no reinado de D. João IV, para impedir desembarques inimigos e vigiar a costa entre os fortes da Roca e de S. Brás de Sanxete.

Nos séculos XVIII e XIX, o forte foi reformado várias vezes, recebendo merlões, canhoneiras e guaritas (hoje inexistentes). Entre 1793 e 1796, sofreu grandes alterações na zona do aquartelamento, com ampliação do pátio e da cisterna.

Apresenta paredes inclinadas, abóbadas de berço e portal em arco de volta perfeita com brasão real. No final do século XVIII, foi construído um parapeito e um paredão para consolidar a base rochosa.

Com planta quadrangular, organiza-se em dois espaços principais: o pátio dos alojamentos e a plataforma da bateria, que possuía sete peças de artilharia. As muralhas estão tão degradadas que é arriscado sequer tentar entrar pelas brechas.

Foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1977. Em 2016, o Estado abriu um concurso de concessão a privados, com o objetivo de promover a reabilitação e conservação do edifício. Mas não teve sucesso.

A  ruína acentuou-se, para o que contribui também a dificuldade de acesso. Talvez tenha sucesso o estudo de requalificação para funcionar como centro de interpretação do Parque Natural de Sintra-Cascais.

Até lá, o forte continua a suscitar alguma curiosidade a quem tem acesso ao sítio. Por hoje, mantém-se como um símbolo histórico do sistema defensivo costeiro português e da arquitetura militar do século XVII.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Pelos Trilhos do Tejo aos Barros e Bordados de Nisa


Começamos por Alpalhão, onde no ar ainda andam trinta e tal graus. Ficamos no Dom Filipe, refrescamo-nos na piscina e bebemos um aperitivo antes de jantar. No Regata espera-nos como habitualmente boas carnes alentejanas e não só.

Depois, há dançarete no Y Bar ao som de um especial DJ do Clube. Vale tudo, rock, disco, até pimba, entre Gins para saborear ao som da música. Treinamos para o dia seguinte, que a dança também nos prepara para os trilhos matutinos.

De manhã, juntamo-nos para percorer o Trilho da Barca d’Amieira, sob um valente sol que teima no céu. Há algumas sombras, não muitas, ao longo do percurso. De vez em quando, surge uma escultura alusiva à fauna do sítio.

Andamos com cuidado, que o piso não é para velhos. O Tejo escolta-nos lá em baixo, tão sereno como a vegetação que não mexe. Uma estrutura de observação em madeira leva o olhar para uma estranha linha de vagonetes.

Mais à frente o passadiço leva a uma ponte suspensa. Muitos/as passam para o lado de lá. Depois, é subir uma pequena encosta com um  miradouro no cume. Continuamos à vista do Tejo, de leito tranquilo a notar-se já ter rapado as margens mais acima.

Regressamos a Nisa e vamos ao longo da Ruinha de Santa Marta, que nos prepara a visita seguinte. No chão e nas fachadas está muito Alentejo. Parece simples, mas também tão artístico como inspirador.

Entramos no Museu do Bordado e do Barro. Ali, é sobretudo a memória da tipicidade  que está representada nas peças expostas. Mas é também a arquitectura interior do edifício que nos leva de sala em sala.


De vão em vão, de nicho em nicho, vamos percebendo que, além da tipicidade da arquitectura, o bordado domina. Mas o barro está muito bem e profusamente representado.

Entramos no Centro de Artes e Ofícios e andamos ao longo da etnografia das profissões. Ainda vamos a tempo de rodear a "Valquíria Enxoval", de Joana vasconcelos, exposta no eNisa Tech - Parque Cultural, um tanto ou quanto espremida entre paredes estreitas e um tecto que parecia esticado praticamente à dimensão da obra.

Almoçamos no quintal do Taverna da Vila, um restaurante associado a uma casa típica, recheada de objectos de época. A temperatura já vai para além dos 33 graus que, mesmo sob um caramachão ainda se notam.

Felizmente, há um sistema de irrigação que nos borrifa, a nós e ao almoço, de forma eficaz. Fomos acompanhados pela história e pelas estórias da casa, divertidamente narradas pelo dono do restaurante.

Terminamos em Alpalhão, voltando ao Y Bar, entre o Gin e o disco, entre a dança e a tertúlia, num ambiente divertido. Passeio do Arlindo, um clássico do calendário do Clube, evento a que poucos faltam e que muitos repetem ano após ano. 




segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Ser ou Não Ser Shakespeare, pelos Instantâneos


"Ser ou não ser, eis a questão”, é uma frase icónica pertencente à peça Hamlet, de Shakespeare. Foi, também, a espoleta de uma tarde tão criativa como divertida, no anfiteatro do Teatroesfera, em Queluz. 

Teatroesfera é um sítio simpático, onde vamos de vez em quando assistir a uma peça de teatro. A primeira foi “O Sangue”, de Bernardo Santareno e, a última, foi "Ser ou Não Ser Shakespeare", um espectáculo de improviso protagonizado pelos “Instantâneos”.

O original, um monólogo em que o principe Hamlet (da Dinamarca) busca vingança pelo assassinato do pai e pondera se é mais nobre suportar as dificuldades da vida ou lutar contra elas até a morte.

Com base na peça original, até mesmo vestidos com figurinos de época, os actores entram em diálogo com o público, escolhem uma pessoa da assistência a quem pedem um mote e, a partir do tema, começam o improviso.  

Ao princípio, quando estão a criar o esquelo da narrativa, ainda parece que a sequência terá alguma colagem ao original mas, embora seguindo um fio condutor próximo, não tarda a que os papéis se confundam, os géneros se baralhem e a confusão impere.

Cada um assume um papel e atitudes que parecem embaraçar os outros, provocando reacções divertidas e obrigando todos a (re)criar imediatamente respostas espontâneas também divertidas.

Original de "Os Instantâneos"
Original de "Os Instantâneos"

A linguagem teatral e a improvisação fazem o resto. O resultado é de uma comicidade singular que se vai passando à plateia. Segundo os próprios, uma peça “cheia de trejeitos de época, amores impossíveis, collants e muito sangue falso á mistura”.

Neste dia, tal como em outras ocasiões um pouco por todo o concelho, o espectáculo foi dedicado a munícipes com mais de 55 anos. O grupo de actores, Os Instantâneos, dirigido por Marco Graça, que integra o grupo, conta também com Marco Martin, Nuno Fradique e Ricardo Soares.