quinta-feira, 16 de abril de 2020

Uma Hora no Hombu Dojo, Tóquio



Por ocasião de uma estada em Tóquio é impossível não resistir à atracção de praticar Aikido. E, sendo possível, o Hombu Dojo da Aikikai seria um dos locais mais representativos para o fazer.
Foi no antepenúltimo dia que me pareceu melhor lá ir.  Dispunha de mais dois dias, para continuar a visita a Tóquio. E, se o soalho não fosse friendly, ou tivesse algum azar, o infortúnio apanhar-me-ia já no ocaso da visita. Por isso, o risco não era elevado.
Levantei-me, ainda a noite andava lá fora. Não estava seguro se conseguia ultrapassar o desafio do Metro. Por isso, saí de casa pouco depois das seis e meia da manhã. A aula começava às 8 e não era a primeira do dia.


A CAMINHO

Até ao Metro eram 5 minutos. Daí ao Hombu Dojo devia demorar cerca de 45. À saída teria de estar muito atento. Sobretudo porque contava com as intermináveis ligações pedestres às millhentas saídas de cada estação.
Coube tudo na mochila, inclusivamente um chapéu-de-chuva pequeno. O dia estava chuvoso, tal como o anterior. Se bem que até ao Metro o tempo estivesse apenas nebulado, sabia que tinha um quarto de hora a pé desde a saída até ao ‘dojo’. E continuou a chover.
Quando saí do Metro tentei confirmar a direcção do Hombu Dojo mas não consegui. Quem por ali andava tinha mais pressa do que eu e o autocarro não espera. Por isso fui andando até que a configuração da avenida desse com o caminho que havia traçado no mapa.
Percorri a avenida que subia ligeiramente. Parei numa bifurcação, mas não era ali perto, assegurou alguém que passeava o cão, mas tinha um gps no telefone. Ao meu, faltava-lhe rede. Não estava longe. Era mais à frente, menos de cinco minutos a pé.
Quando dei com a rua, serenei. Reconhecia-a do Google Maps. Quando entrei no edifício, meia hora antes de começar o treino, até sorri. Cheguei a tempo! Posso tratar de tudo calmamente, previ.
À CHEGADA

Estava à espera de levar a primeira surra no acto de inscrição. Tinha preparado cerca de 12 mil yens (110 euros) para pagar a inscrição e a aula. Porém, o recepcionista foi virando as páginas do ‘Yudansha Card’ da ACPA e fixou os olhos no carimbo do Sensei Vermulen. Só me cobrou cerca de1600 (15 euros)!
Não foi necessário fazer-me sócio. Excelente! Paguei, deixei as botas no cacifo do rés-do-chão – 1º andar japonês - e o ‘Yudansha Card’ na recepção e subi as escadas. Nessa altura, já distinguia o som de quedas contínuas no que julguei ser o tapete do ´dojo’ principal. Passei pelo ´dojo’ do 2º andar e estavam a terminar o treino dos principiantes (até cinto negro).
Percebi que seria apenas no andar de cima que as quedas “a sério” estariam a acontecer. Ou a aula anterior ainda não acabado ou não havia tatamis, tal o som das quedas e a percepção de que havia muita actividade no andar de cima…
Quando passei pela primeira porta do ´dojo’ pensei que estava atrasado e que a aula já tinha começado. Metade do ´dojo’ estava ocupado com praticantes, a praticar. Porém, praticavam sem mestre. Parei durante um minuto a observar o ambiente.
Afinal, até havia tatamis. E as quedas também estavam disponíveis para quem passasse de uma aula para outra. Mesmo no intervalo, aquela rapaziada – metade, com idades que já haviam ultrapassado meio século há muitos anos - continuavam a ‘malhar como gente grande’.
No entanto, pareceu-me que tentam corrigir, afinar ou melhorar as técnicas executadas durante a aula anterior. Mas não sabia que também estavam a aquecer para a aula seguinte…
Respirei fundo e fui para o balneário. Lá, os japoneses empatavam em quantidade com os europeus. Entrei, fiz algumas perguntas básicas a um sujeito que parecia fisionomicamente grego, não estava à vontade no inglês e pouco sabia sobre as “regras da casa”.
Aqueci, como é costume lá e vi fazer, antes da aula, durante 5 minutos. Mas não fiquei sossegado com os haveres que tinha deixado no balneário. Acabou por ser um japonês a aconselhar-me a fechar o cacifo à chave, dando-me a entender que, “nunca fiando”… Optei por colocar uma moeda, que se encravou na fechadura da porta do cacifo. Fui à recepção trocá-la e consegui fechar o cacifo.
NO TATAMI

Quando voltei ao ´dojo’, já estavam todos em ‘seiza’, faltavam cerca de 3 minutos para as 8 da manhã. Demorei um bocado a ajeitar-me, não fosse a coisa demorar e ficar paralisado. Ainda entrou um retardatário que se sentou logo após a porta do balneário.
Percebi então que também lá havia outros asiáticos. Russos e ingleses equiparavam-se em número. E os japoneses pouco superavam a quantidade de ocidentais. Não havia muitas mulheres, parecendo-me que a percentagem era semelhante à nossa média, não chegando sequer aos 10%...  
Os praticantes são os únicos autorizados a entrar directamente para o ´dojo’ através da porta do balneário. Os visitantes e o mestre entram por outra porta de acesso que vem do átrio logo após a escada. O balneário é um pequeno rectângulo com cacifos a toda a volta e não terá mais de 20 m2.
Os ‘tatamis’ estão enfiados numa caixa que está um pouco abaixo do nível do soalho. Daí não se perceberem muito bem acima do chão. Os’ tatamis’ são, no entanto, algo rígidos, talvez mais ásperos do que os nossos. Eu fiquei ligeiramente esfolado, facto que atribuí ao tatami e o tecido do casaco do ‘dogi’ estar muito seco.
Às 8 em ponto, entrou o Sensei Yasuno Masatoshi, 8º Dan. Após as saudações habituais, mas cujo vocabulário não percebi, a aula começou com alguns exercícios respiratórios. Logo após, entraram os ‘ushideshi’ em acção e o padrão tradicional de ensino do Aikido só terminou no fim da aula: demonstração-pratica, sem intervalo e com uma troca de ‘ukes’ a 10 minutos do fim.
Comecei a praticar com um inglês e continuei com um francês, ambos com um Aikido muito suave. Ficámos os três em pool a dar início a um trabalho de ‘ryote dori’ sistemático, com ‘tenkans’ intercalados.
Depois fiquei definitivamente com o Jean Philipe, 3º dan, julgo, que foi aperfeiçoando o ‘ki’ em cada técnica praticada. Da parte do francês poucos reparos verbais – afinal, estamos num ´dojo’ japonês - mais indicações visuais,
Convida-se sempre o ‘uke’ (com ‘onigaimashita’) para começar todas as técnicas. Não há trocas de ‘ukes’ sem o mestre indicar. Há sempre uma atenção especial para não cair em cima dos praticantes que estão mais próximo. Se a técnica “não entra”, faz-se outra parecida.
Não há indicações verbais, nem correcções por parte do ‘sensei’. Nem sequer a identificação da técnica. O ‘sensei’ vai andando pelo ´dojo’, observa os desempenhos, mas não intervém. Quanto muito, se percebe que o desempenho não está a ser o mais correcto, demonstra de novo a técnica.
A AULA
Como era de prever, o Aikido do Sensei Yasuno Masatoshi é fundamentado no ‘ki’. Os ‘uchideshi’ atacam-no como se não houvesse amanhã. Porém, o Sensei, com movimentos centrados no ‘hara’, consegue libertar-se de todos os “ryote dori” e o resultado é aquele que prevemos: os ‘ushideshi’ vão-se dobrando, até que são projectados com uma energia surpreendente.
Por vezes, o ’do’ é difícil de perceber, outras percebe-se o ‘tai sabaki’. Por vezes, o ‘ai’ até pareça ausente, tal a violência (não encontrei outra palavra) da projecção. Porém, pareceu-me que o ‘ki’ era mesmo o mais enigmático. Mesmo percebendo que havia ‘tenkans’ e ‘taisabakis’, e o ‘uke’ era sempre levado para próximo do chão, era difícil perceber como é que eram depois projectados com tanta energia.
Algumas das técnicas, ou por serem pouco utilizadas, ou mesmo por azelhice, demoraram a "entrar". Só as mais comuns iam funcionando. Com outras, parecia que nem o meu ‘uke’ estava à vontade, embora percebesse depois que apenas estava a fazê-las de uma forma pedagógica, passo a passo. No fim, concordamos que ainda tínhamos muitos anos para conseguir perceber onde está o ‘ki’...
No período final da aula, o ‘sensei’ propôs ‘jyu wasa’ com todas as técnicas praticadas. Foi talvez o melhor desempenho da jornada... Foi aí que, após indicação do “sensei”, troquei de ‘uke’ com um japonês. Este, embora as mãos lhe tremessem um pouco, era a suavidade em movimento e mal se deixava tocar. Parecia uma espécie de Suchiro Endo em mais velho mas com uma suavidade surpreendente.
Às nove da manhã, o ‘Sensei’ dava a aula por terminada. Saudei o japonês, o último ‘uke’ com quem tinha praticado, mas logo após, já estavam o francês e o inglês a saudarem-me em ‘seiza’. Aqui, os agradecimentos são feitos a todos os ‘ukes’ com quem praticamos. É a etiqueta estendida a com quem interagimos. Semelhante ao que se passa no ‘dojo’, a vida japonesa rege-se por uma cortesia social notória, uma prática que envolve toda a sociedade.
Pedi ao francês para me tirar um par de fotos e ainda demos dois dedos de conversa sobre a vida. Ele já levava 15 anos de Tóquio. Nem lhe perguntei quantos de Aikido... Quando demos por nós, já o ´dojo’ estava limpo – as cinco ou seis vassouras disponíveis já tinham sido pegadas - e os ‘ushideshi’ preparavam-se para continuar a treinar no intervalo...
FINAL
Os ‘ushideshi’ são todos novos, não têm sequer 30 anos e só um era ocidental. Fiquei a mirá-los um bocado e com alguma inveja daquele desempenho tão próximo do do mestre... Quando saí vi-os, quatro ou cinco, a ter uma aula privada com o mestre! Como bom português, pensei de imediato, "assim, também eu...!"
Antes, ainda passei pelo chuveiro, por um dos 4 existentes. Um dos russos confirmou-me que não havia água quente. E eu garanti que, suado como estava, não era aquela água fria que me iria afastar do chuveiro. Só estava eu e o russo…
Pedi que me carimbassem o ‘Yudansha Card’ e fui para a entrada à espera que alguém saísse para me tirar uma foto na fachada do edifício. Mas já todos haviam saído. E, neste dia, não havia aulas a seguir. Despedi-me com uma ‘selfie’ ainda com o frenesin de ter pisado o ´dojo’ do Mestre.


Só a primeira (capa) imagem e esta última correspondem ao treino deste dia. O vídeo tem mais duas ou três deste dia. As restantes são de outra ocasião que, em breve, vos confidenciarei.




sexta-feira, 10 de abril de 2020

Motos aos Restauradores


Foto: Gonçalo Lopes


Estamos confinados. Para nós, que andamos de moto por paixão, e mesmo para aqueles que têm a moto como dia-a-dia, estar parado é colérico. Sobretudo para os apaixonados, é adiar o prazer. Porém, também é esperar melhores dias, dias de passeio, de viagem, de prazer. 

Nem sei se o título cabe num léxico decente mas o que interessa é que a Mega Manifestação de 3 de Fevereiro, já lá vai mais de um ano, tinha um conjunto de reivindicações valentes, teve alguma adesão e proporcionou, pelo menos, um belo passeio até Lisboa.

Além de outras reivindicações de carácter geral, o protesto incluía o facto das motos pagarem o mesmo que os automóveis nas portagens, bem como os valores e fórmulas de cálculo do imposto único circulação (IUC) estarem obsoletos.
Outros protestos iam contra o exorbitante imposto sobre combustíveis e contra a politica de prevenção rodoviária que só se traduz na caça à multa. Isto já envolvia também outros utentes, embora o segundo tema nos diga respeito mais directamente, uma vez que também reconheço que, no campo das duas rodas, escasseiam medidas de prevenção.

Foi por isto, basicamente, que os motociclistas se concentraram em Lisboa, vindos de todo o país, com a incidência óbvia do Porto e do Algarve. Ali estiveram cerca de cinco mil motos, um número reduzido comparado com uma qualquer concentração turística.

Apesar da praça dos Restauradores estar cheia de motos e de pessoas – havia também muitas motos ao longo dos passeios da avenida da Liberdade -, notava-se que já houve melhores dias reivindicativos. Todavia, nos que estavam, o interesse pela causa foi bem patente durante as cerca de duas horas em que todos permaneceram no local.

Desta feita, apesar da presença de representantes de duas forças partidárias de relevo, o deputado Miguel Tiago e o ex-deputado Rodrigo Ribeiro, a manifestação não surtiu grande efeito, pelo que, durante o ano de 2019 não se verificaram alterações.

Mas o dia estava limpo e o sol apareceu para nos fazer companhia. Acompanhei o cortejo desde a avenida da República, passámos no Marquês e descemos a avenida da Liberdade já “ao molho”! A chegar aos Restauradores, já não havia espaço para estacionar em redor da estátua.
Os discursos foram curtos. Depois, o habitual passeio a pé pelas motos, dois dedos de conversa aqui, outros dois ali, rever alguns clássicos destas coisas, outras não tão antigos, enfim, lubrificar os assuntos das motos e dos motociclistas.
Música: Al Di Meola, Alien Chase on Arabic Desert



quinta-feira, 9 de abril de 2020

Arquitecturas de Cartão


 


Tecnologia à esquerda, simplicidade à direita. Robots de um lado, cartão do outro. Diversos aspectos da robótica face a um olhar particular da arquitectura. Dos robots coloridos aos cartões pintados. Dois espaços que o MAAT associou no antigo Museu da Electricidade. Hoje, escolhemos a exposição da Arquitectura da Vida.

 

De um dos lados da entrada da ex-Central Tejo, antigo Museu da Electricidade, agora integrado no MAAT, estiveram em exposição os trabalhos artísticos de Carlos Bunga, um artista português a viver em Barcelona, que identifica como “espécie de arquitectura”. O título da exposição associa-se aos ambientes, à escultura, à pintura e aos filmes.


Segundo o autor, a exposição ”The Architecture Of Life. Environments, Sculptures, Paintings And Films” é uma ideia mental e não um espaço real. Porém, uma ideia corporizada e pensada de uma forma ecológica - materiais elementares - mas também reminiscente – espaços degradados de infância.


E, se de início, tudo parece reproduzir ambientes em miniatura, logo após o átrio de entrada, a dimensão progride até à monumentalidade, grandeza percebida também através de audiovisuais, sobretudo daquelas estruturas criadas e destruídas pelo autor.


Surpreendentes são também as texturas, especialmente as que copiam a madeira, conseguidas através da pintura. Aliás, o artista utiliza apenas cartão e tinta. As estruturas assemelham-se a perfis de metal e os “quadros” parecem madeira pintada, envelhecida.


As obras em cartão, mesmo as pouco pintadas, associam a pintura, a escultura e a arquitectura. A dimensão de algumas explora espaços monumentais tradicionais. Numa delas, é próprio artista  que se endeusa e, criador, destrói  toda uma estrutura que, sendo construída em cartão, rapidamente fica em ruínas.


Mesmo apesar da simplicidade, e até rudeza do cartão, a escultura e a pintura de Carlos Bunga confere às criações textura e cor tão transformadoras que parecem objectos de outro tipo. Depois, a arquitectura faz o resto. Transfere para as obras a dimensão, utilidade e forma.   




quarta-feira, 8 de abril de 2020

Hello, ROBOT!


 

Tecnologia à esquerda, simplicidade à direita. 
Robots de um lado, cartão do outro. 
Diversos aspectos da robótica face a um particular olhar da arquitectura. 
Dos robots coloridos aos cartões pintados. 
Dois espaços que o MAAT associou no antigo Museu da Electricidade. 
Hoje, elegemos o espaço dos Robots.


Arte, tecnologia, design, ficção científica, indústria, utilidade. 
Em casa, no trabalho, nos cuidados de saúde, até na puericultura. 
Antigos, contemporâneos, futuristas. 
Micros, miniaturas, tamanho real, muitas imagens. 
Mais de duas dezenas de peças. 
Tema: robótica. 
E muitas perguntas no ar.


Hello, Robot é uma exposição de robótica com muitas referências alemãs, 
não fosse criada pelo Vitra Design Museum, na Alemanha. 
Mas também é um espaço de interrogação, 
onde se penduram muitas questões de ordem política e social 
sobretudo acerca da confiança e da evolução da robótica.


São quatro salas temáticas onde estão expostos, 
objectos da nossa cultura ficcional literária e cinematográfica.
Outra está dedicada às aplicações práticas da robótica nas áreas industriais.
Outra ainda ao entretenimento e utilidade doméstica.
A última está associada à proximidade cada vez maior 
entre o campo robótico e o mundo humano.


Há peças curiosas.
Como seja um robot japonês concebido para dar assistência paliativa,
o incontornável R2D2 da Guerra das Estrelas, 
um cadeirão artístico criado numa imparticular pressora 3D, 
um braço artificial para dar biberon a bébés
Para além dos drones, exoesqueletos, velhos tamagochis e aracnídeos artificiais.


Esperava também ver um pequeno drone a funcionar,
Ou um robot a dar-me “boas-vindas” ou a servir um aperitivo. 
Há alguma interactividade numa das salas, 
mas também estaticidade da maioria das peças. 
O espaço não é muito amplo, 
pelo que peças maiores não podiam estar expostas.


Música: 3thr Force