Andei por ali há anos. Entrava-se à
esquerda, por uma estrada de terra, logo a seguir à descida na ´'curva da Lagoa Azul. A tal curva rápida que, nos bons tempos do Rali de Portugal, juntava milhares de
pessoas, dispostas a vibrar com a perícia e as peripécias dos pilotos. Cheguei a entrar por ali perto, de moto - com um modelo 'único' de cross, uma CZ 250, 'transformada' - passar o bosque, romper um
prado imenso e enfiar por uma descida entre árvores dispersas. Não estava sozinho. Ia com mais uma ou duas motos.
Na altura não achei muita graça, sobretudo
porque, além de não saber para onde ia, desconhecendo se aqueles trilhos tinham
outra saída, comecei a ver alguns rostos, ainda assim tímidos, a espreitar por
trás das árvores. Eles, os que espreitavam, não estavam mais tranquilos do que eu/nós. Viemos a saber que, ali perto,
exactamente por onde saímos, havia um hospício... Desta vez, não fomos
por aí.
Deixámos o carro num pequeno parque junto da entrada, exactamente do lado contrário ao desvio para a barragem do Rio da Mula, e que não comporta mais de uma dezena de viaturas. Optámos por seguir pelo trilho do lado esquerdo, a subir ligeiramente.
A tranquilidade é nota dominante, acompanhada por tons bucólicos e pelo chirriar dos pássaros. A luz e a claridade são ímpares sobretudo nos prados, e devem contribuir para a definição/contraste do ambiente. Praticamente sempre com a serra no horizonte, é nas zonas abertas que as cores sobressaem, que a luz preenche o espaço, que a claridade inunda os olhos.
Avançámos ao longo de um riacho, passámos
por um pequeno prado e começamos a trepar por entre as árvores altas e esguias
de um bosque, sob a vigilância sinistra de uma figueira seca. A humidade
aumentou e a luz esmoreceu. Logo a seguir, porém, no cimo da vereda, a
claridade despontou sobre um prado onde passeavam alguns burros lanudos limitados
por uma cerca baixa, mas electrificada... Em fundo, o céu estava pintado de um
azul sereno imensamente luminoso.
Apetecia andar. À frente, o horizonte visual estendia-se ainda mais. Depois da vegetação que parecia limitar o espaço a sul,
viam-se já algumas moradias da cintura de Cascais / Estoril. Passamos uma
pequena ruína que estava destinada a guardar equídeos, que se descobriam, mais ao fundo, próximo de uma lagoa. Perto da ruína havia duas ou
três mesas de picnic e em redor mais prado, verde, imenso, ondulado.
Mas foi a lagoa que nos atraiu, circundada
por um grupo de árvores e envolta pelo céu azul e pela serra verde. Vizinha do
pasto, dava de beber a meia dúzia de cavalos que se enterravam na lama até aos
artelhos... num cenário que parecia idílico. Deviam ter ali uns bancos para se saborear aquele cenário de uma maneira mais confortável.
Havia muita lama onde apenas a terra
dominava. Nos trilhos mais pedregosos andava-se calmamente. Todavia, as
chuvadas dos últimos dias haviam deixado por terra alguns obstáculos que era
preciso ultrapassar com mais ou menos empenho. Nada porém que não se pudesse
saltar.
Um dos locais mais emblemáticos do
percurso é a eira, enorme, "esculpida" sobre uma rocha agora
irrepreensivelmente lisa. Uma pequena casa em ruínas e um curioso forno
preenchiam um espaço muito agradável onde não faltava um par de bancos, estes
sim, dispostos para podermos desfrutar de um panorama ímpar sobre a serra,
sobre os prados e sobre o mar de Cascais.
Dali, onde uma quantidade de trilhos se
juntam, optámos por seguir pelo caminho mais elevado que circundava uma colina.
Transpusemos um tronco que estava atravessado e avançamos ora para chão seco,
ora para passagens estreitas à beira de umas poças de água valentes.
A meio caminho, descobrimos uma ermida no
vale escondida entre o arvoredo, a capela de Nossa senhora da Conceição de
Porto Côvo. Dizem que há ali uma gruta. Ficou para a próxima. Desta feita,
continuaríamos a observar a serra em fundo e os raios solares
filtrados pelas folhas dos muitos arbustos que marginavam o caminho e que lhe
iam dando tons encarniçados.
Mais à frente, encontramos um pai e dois
filhos que estavam relativamente perdidos. Vinham em sentido contrário e diziam
que não haviam encontrado saída... porque não tinham descoberto o fim do
trilho. Não estavam propriamente vestidos para aqueles terrenos mas, que
remédio, conseguiram ultrapassar alguns lamaçais com peúgas brancas e sapatinhos rasos.
Assumimos a peritagem do itinerário e lideramos a descoberta e a
aventura, assegurando que iríamos na direcção dos burros lanudos. Fizemos o
resto do percurso juntos e, cerca de 15 minutos depois, estavamos a passar
novamente pela figueira seca e a acompanhar o riacho que ficava já perto da
estrada e da saída.
No final, ao entardecer, ainda nos
chamaram a atenção para duas mãos cheias de gelo, acumulado num dos recortes do
riacho. O dia esteve fresquito, apesar da claridade e do sol ter brilhado
durante muito tempo. Mas a verdade é que também haviam estado 8 graus ao
meio-dia...
Prometemos lá voltar. Quando o tempo estiver mais quente e a lama mais seca. A cor do céu, da terra, dos lagos, das árvores, a lassidão dos asininos, a tranquilidade dos cavalos e o piar dos pássaros, podem estar como hoje. Perfeitas.Música: Craig Chaquico, The Drifter
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