domingo, 23 de março de 2014

Passeio na Quinta de Pisão

Andei por ali há anos. Entrava-se à esquerda, por uma estrada de terra, logo a seguir à descida na ´'curva da Lagoa Azul. A tal curva rápida que, nos bons tempos do Rali de Portugal, juntava milhares de pessoas, dispostas a vibrar com a perícia e as peripécias dos pilotos. Cheguei a entrar por ali perto, de moto - com um modelo 'único' de cross, uma CZ 250, 'transformada' - passar o bosque, romper um prado imenso e enfiar por uma descida entre árvores dispersas. Não estava sozinho. Ia com mais uma ou duas motos.
Na altura não achei muita graça, sobretudo porque, além de não saber para onde ia, desconhecendo se aqueles trilhos tinham outra saída, comecei a ver alguns rostos, ainda assim tímidos, a espreitar por trás das árvores.  Eles, os que espreitavam, não estavam mais tranquilos do que eu/nós. Viemos a saber que, ali perto, exactamente por onde saímos, havia um hospício... Desta vez, não fomos por aí.
Deixámos o carro num pequeno parque junto da entrada, exactamente do lado contrário ao desvio para a barragem do Rio da Mula, e que não comporta mais de uma dezena de viaturas. Optámos por seguir pelo trilho do lado esquerdo, a subir ligeiramente.
A tranquilidade é nota dominante, acompanhada por tons bucólicos e pelo chirriar dos pássaros. A luz e a claridade são ímpares sobretudo nos prados, e devem contribuir para a definição/contraste do ambiente. Praticamente sempre com a serra no horizonte, é nas zonas abertas que as cores sobressaem, que a luz preenche o espaço, que a claridade inunda os olhos.
Avançámos ao longo de um riacho, passámos por um pequeno prado e começamos a trepar por entre as árvores altas e esguias de um bosque, sob a vigilância sinistra de uma figueira seca. A humidade aumentou e a luz esmoreceu. Logo a seguir, porém, no cimo da vereda, a claridade despontou sobre um prado onde passeavam alguns burros lanudos limitados por uma cerca baixa, mas electrificada... Em fundo, o céu estava pintado de um azul sereno imensamente luminoso.
Apetecia andar. À frente, o horizonte visual estendia-se ainda mais. Depois da vegetação que parecia limitar o espaço a sul, viam-se já algumas moradias da cintura de Cascais / Estoril. Passamos uma pequena ruína que estava destinada a guardar equídeos, que se  descobriam, mais ao fundo, próximo de uma lagoa. Perto da ruína havia duas ou três mesas de picnic e em redor mais prado, verde, imenso, ondulado.
Mas foi a lagoa que nos atraiu, circundada por um grupo de árvores e envolta pelo céu azul e pela serra verde. Vizinha do pasto, dava de beber a meia dúzia de cavalos que se enterravam na lama até aos artelhos... num cenário que parecia idílico. Deviam ter ali uns bancos para se saborear aquele cenário de uma maneira mais confortável.
Havia muita lama onde apenas a terra dominava. Nos trilhos mais pedregosos andava-se calmamente. Todavia, as chuvadas dos últimos dias haviam deixado por terra alguns obstáculos que era preciso ultrapassar com mais ou menos empenho. Nada porém que não se pudesse saltar.
Um dos locais mais emblemáticos do percurso é a eira, enorme, "esculpida" sobre uma rocha agora irrepreensivelmente lisa. Uma pequena casa em ruínas e um curioso forno preenchiam um espaço muito agradável onde não faltava um par de bancos, estes sim, dispostos para podermos desfrutar de um panorama ímpar sobre a serra, sobre os prados e sobre o mar de Cascais.
Dali, onde uma quantidade de trilhos se juntam, optámos por seguir pelo caminho mais elevado que circundava uma colina. Transpusemos um tronco que estava atravessado e avançamos ora para chão seco, ora para passagens estreitas à beira de umas poças de água valentes.
A meio caminho, descobrimos uma ermida no vale escondida entre o arvoredo, a capela de Nossa senhora da Conceição de Porto Côvo. Dizem que há ali uma gruta. Ficou para a próxima. Desta feita, continuaríamos a observar a serra em fundo e os raios solares filtrados pelas folhas dos muitos arbustos que marginavam o caminho e que lhe iam dando tons encarniçados.
Mais à frente, encontramos um pai e dois filhos que estavam relativamente perdidos. Vinham em sentido contrário e diziam que não haviam encontrado saída... porque não tinham descoberto o fim do trilho. Não estavam propriamente vestidos para aqueles terrenos mas, que remédio, conseguiram ultrapassar alguns lamaçais com  peúgas brancas e sapatinhos rasos.
Assumimos a peritagem do itinerário e lideramos a descoberta e a aventura, assegurando que iríamos na direcção dos burros lanudos. Fizemos o resto do percurso juntos e, cerca de 15 minutos depois, estavamos a passar novamente pela figueira seca e a acompanhar o riacho que ficava já perto da estrada e da saída.
No final, ao entardecer, ainda nos chamaram a atenção para duas mãos cheias de gelo, acumulado num dos recortes do riacho. O dia esteve fresquito, apesar da claridade e do sol ter brilhado durante muito tempo. Mas a verdade é que também haviam estado 8 graus ao meio-dia...  
Prometemos lá voltar. Quando o tempo estiver mais quente e a lama mais seca. A cor do céu, da terra, dos lagos, das árvores, a lassidão dos asininos, a tranquilidade dos cavalos e o piar dos pássaros, podem estar como hoje. Perfeitas.

Música: Craig Chaquico, The Drifter

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sábado, 22 de março de 2014

Casa da CERCA, Almada


Lisboa domina a paisagem. Com o Tejo aos pés, é o casario da capital que nos fica nos olhos. Com o sol a iluminar os alvos lisboetas e o rio a oferecer um forte contrate de brilho azulado, o olhar vai de Cascais ao Terreiro do Paço. 
A vista pode fixar-se durante um instante na ponte sobre o Tejo, no zimbório do Panteão ou nas torres da Sé. Mas é o conjunto dos detalhes que fazem perder a vista do outro lado do rio, uma paisagem que se vê desde o jardim-miradouro da Casa de Cerca. Lisboa, vista dali, é também uma obra de arte. 
Actualmente, a Casa da Cerca é um centro de arte contemporânea situado na Almada velha. Está ali há mais de 20 anos, encerra mais de uma centena de obras de três dezenas de artistas, entre Pintura, Escultura, Fotografia, Gravura, e entre outras produções artísticas, mercê de algumas aquisições mas sobretudo doações.
É pena a colecção artística não estar disponível para visita. Apenas o acervo literário parecia estar. Pelo menos, uma pequena dependência plena de estantes com livros estava acessível. A Casa faz exposições temática periódicas, mas é a diversidade do espaço que surpreende.
Dispõe de um jardim botânico, de uma estufa, de um herbário, de uma mata, de um pomar, de quatro jardins, de um anfiteatro exterior, e ainda de uma pequena capela, cujo tecto veio da Quinta do Pombal, da família Teotónio Pereira, que também já havia sido proprietária deste espaço.
A arte respira-se quer no espaço da recepção, quer nas esculturas dos jardins, quer no interior da capela, onde se destaca a azulejaria setecentista, de desenho figurativo com temas religiosos.
Originalmente edificada como solar típico dos séculos 17/18, a casa foi morada de Junot, durante as invasões francesas, e serviu como dependência do hospital de Almada a seguir ao 25 d Abril. Só 14 anos depois passou para a alçada da Câmara Municipal de Almada.
O edifício, bem como os jardins, tem ainda vestígios dos ambientes barrocos e românticos, sendo a casa considerada um ex-libris da arquitectura civil setecentista da cidade. No exterior, uma extensa galeria junto à falésia - intitulada Passeio das Damas - protegida por um muro, abre janelas a espaços, ladeadas por bancos, de onde a vista alcança desde o farol da Guia em Cascais, ao cais das Colunas em Lisboa. 
Sob a falésia, o Jardim do Rio estende-se pelo Cais do Ginjal, estando acessível desde o elevador panorâmico, situado do lado da Casa da Cerca. É um pedaço verde, tranquilo e fresco, de onde Lisboa parece estar aos pés.

Música: Focus Music, Hero's Theme