A partir do século XII, depois da reconquista de Lisboa, a colina fronteira à do castelo passou a ser habitada por clérigos e fidalgos. Nascia a zona do Chiado. Diz-se que foi um taberneiro quinhentista que lhe deu o nome, mas hoje o epíteto está mais ligado ao poeta António Ribeiro, o Chiado, contemporâneo de Camões.
Foi ele que escrever “Aviso para guardar: do Chiado, frade que foi em Lisboa”
(…)guardar de quem de ligeiro
em tomar nunca se peja;
guardar de quem deseja
o alheio e quanto vê;
guardar de esperar mercê
por modo de lisonjear(…)
A zona do Chiado fica entre Sacramento e Mártires, ou seja, entre o Bairro Alto e a Baixa Pombalina. Já foi referência do romantismo com Eça e morada de Pessoa e Rafael Bordalo Pinheiro. É espaço de teatros - Trindade e São Carlos -, e de um museu, o de arte contemporânea, conhecido como Museu do Chiado
A placa da Antiga Casa José Alexandre parece ter sofrido mais com o vendalismo do que com o incêndio |
Referência é também o “Carmo”, o Largo do Carmo, onde chega o elevador de Santa Justa e de onde é possível vislumbrar de um miradouro a colina do castelo. Ali perto, estão as ruínas do Convento do Carmo - hoje museu arqueológico -, paredes-meias com o quartel-sede da GNR, palco da revolução do 25 de Abril.
No largo do Chiado, porta de entrada no Bairro Alto, pontuam a estátua do poeta e as duas igrejas barrocas, do Loreto e da Senhora da Encarnação. Para lá vai a rua Garrett em cujo topo fica a famosa “Brasileira”. Mais acima, está a famosa cervejaria Trindade e a sua rica azulejaria.
O lema do proprietário, Francisco Grandela, na fachada dos antigos Armazéns Grandela |
Apesar do incêndio que deflagrou na rua do Carmo há cerca de 25 anos, destruiu algumas edificações oitocentistas e obrigou à reconfiguração de alguns espaços e à reconstrução de alguns edifícios, outros resistiram e foi possível manter a traça que tornou célebre a zona do Chiado.
Mas o incêndio deixou marcas. Algumas só se percebem se andarmos com o nariz no ar. Um outro outro muro de sustentação, um ou outro remate arquitectónico para criar harmonia espacial. Outras vezes, é apenas a degradação que tomou conta de algum cimo.
Hoje o Chiado voltou a ser uma zona comercial e de lazer, com muitas lojas cujas fachadas conservaram a arquitectura original, sendo raras, mesmo em áreas não afetadas pelo incêndio, intervenções que tenham alterado a harmonia estética da zona. Alguns prédios de habitação foram memso aumentados de um ou dois andares.
É esse desenho regular, disciplinado, essa repetição por superfície que se reconhece na maior parte do conjunto de fachadas. É essa estética com que nos relacionamos sistematicamente. Ora, por tal, habituámo-nos a ver o Chiado que está no primeiro e no mesmo plano dos nossos olhos, como se fosse um rosto, uma identidade daquele espaço.
Habitualmente não é preciso levantar o olhar para reconhecer um espaço. Não é frequente levantarmos a cabeça, sobretudo quando já conhecemos bem um lugar. Além disso, é desconfortável, inseguro, desvantajoso. É raro pormos o nariz no ar.
A proposta é, então, dobrar o pescoço e esticar a vista para o céu e, ao olhar para cima, descobrir o que lá está. E está lá muita coisa: beirais, varandas, últimos pisos, coberturas, painéis, janelas, placares, alguns candeiros, uma cruz...
É passar da comodidade do horizontal para o ânimo do vertical, buscar a raridade na altura. Lá facilmente se encontram descontinuidades e roturas, se descobrem limites, fronteiras, finitos.
Não é preciso levantar muito os olhos para achar o que está exposto. As fachadas ainda mostram muitos detalhes em que habitualmente se não repara. Como seja, um conjunto de palmas na fachada dos “Armazéns do Chiado”; “Armazéns do Chiado” cujo placar luminoso encima o telhado; uma chaminé ou outra fora do vulgar; dois tipos de candeeiros de iluminação pública colocados nas paredes dos prédios.
Mas a descoberta finda nos detalhes do cume. O olhar fica na raia das cumeeiras dos telhados, na ponta das antenas, no polo das abóbadas, no topo das chaminés. A partir daí, deixa de haver novidades. O azul passa a dominar o imenso cenário celeste, um azul especial, o azul de Lisboa. A partir daqui já não é o nariz que domina.