quarta-feira, 16 de maio de 2012

Marrocos 2012 - Dos Desfiladeiros ao Deserto - Parte I




Estar lá, é uma coisa. Escrever agora, é outra etapa. É puxar pela boa e pela má memória, é escolher outro caminho. É resgatar o que se vai escapando, recuperar o que está arrumado. Mas também é deixar muita coisa pelo caminho: aquilo que já esquecemos, o que não queremos lembrar, o que escolhemos não revelar. Escrever é parcial. 

Desta vez, o texto distribui-se por temas e pelo relato da viagem, em dois capítulos. Por temas, aproveitando o que de mais palpitante, inovador, semelhante ou arriscado nos (a)pareceu. Depois, estende-se ao longo dos onze dias de viagem, seguindo um guião essencialmente sensível e turístico mas aberto ao que de original e exótico Marrocos possui. O capítulo inicial foi dedicado à primeira parte da jornada – Marraquexe, Atlas, Desfiladeiros – e o seguinte, devotado à segunda parte do périplo – pelo deserto.
Não vai a certos detalhes, especialmente os que já se manifestaram em etapas anteriores
-
http://cordeirus.blogspot.pt/2010/04/passeio-pelos-imperios-i-de-norte-sul.html
e seguintes, bem como, em  
, antes dá uma ideia sobre o périplo e sobre as transformações que alguns aspectos têm sofrido nos últimos anos.

Marrocos está aqui perto. As portas de entrada, em Ceuta ou Tanger, estão a cerca de meia dúzia de horas de Lisboa, tanto quanto leva a Madrid. O deserto está a cerca de quinze horas,  tantas quantos distam de Montpellier.

PARTE I 

ENTRE O DADÉS E O TODRA

“Marrocos é um país demasiado curioso, demasiado belo,
demasiado rico em paisagens e arquitectura e, acima de tudo,
uma novidade demasiado grande para não atrair
uma das principais correntes de viagens de Primavera
assim que se possa retomar o tráfego de passageiros no Mediterrâneo.”


in Em Marrocos, de Edith Wharton

Escrito em 1917, auspicioso no que respeita ao regresso da paz à Europa, este livro mostra que a autora já tinha nesta altura uma paixão arrebatadora sobre o país. Passado quase um século, mantêm-se os pressupostos de curiosidade, beleza, novidade, que já então descobrira. 
 
Começo pelas diferenças que antes salientei. São fruto sobretudo das comparações que fiz face às três viagens anteriores em 2005, 2007 e 2010. Não estarão todas aqui, mas julgo que são as mais significativas numa abordagem que não quero antológica, antes mais prática e mais actual. 
 
Percebem-se logo à entrada: os
ANGARIADORES DAS FRONTEIRAS ESTÃO NO DESEMPREGO
Com efeito, nas fronteiras já não há (praticamente) angariadores. Era uma espécie que, durante anos, enxameou as fronteiras marroquinas de Tanger e Ceuta. Ao abrigo da conivência policial, os oportunistas, a troco de meia dúzia de euros, “ajudavam” a perpetuar um sistema burocrático e corrupto de tratamento da documentação, que dificultava a entrada no país.  
A rapidez do processo de entrada não melhorou grandemente, mas é auspicioso saber que parte do problema está resolvido. Agora, é a polícia que controla a verificação dos documentos desde o primeiro minuto, apesar de ainda haver um ou outro empreendedor civil que circula entre as autoridades e os que chegam.
O desaparecimento dos "angariadores" é quase tão surpreendente
como encontrar um par de esquis no deserto.

E parece que os marroquinos esperam que muita gente compre casa, uma vez que a
CONSTRUÇÃO ESTÁ EM ALTA
Crescem como cogumelos. Prédios que se erguem à volta uns dos outros. Cidades jovens à volta de urbes novas. Para onde nos voltássemos, quer nas grandes cidades – Tanger, Marraquexe, Fez – quer em redor de outras mais pequenas – Ouarzazate, Rissani, Er Rachidia – cresciam urbanizações como há uma vintena de anos em Portugal.
E isto acontece, não só nas zonas urbanas, mas também na orla do deserto. Na zona norte do Erg Chebbi – onde há quatro anos, não existia qualquer construção fixa – proliferaram agora mais de uma dúzia de albergues. Não deixa de ser curioso que, numa altura em que a Europa está em crise, se proceda a tal investimento turístico.

Ao invés da construção,
MARRAQUEXE ESTAVA EM BAIXA
Essa quebra nota-se na famosa praça Jemaa El Fna. Embora a animação local se mantenha, na sexta-feira de Páscoa havia poucos turistas. Os restaurantes noturnos – que se montam ao fim da tarde e desmontam ao fim da noite – tinham poucos clientes estrangeiros. As ruas estreitas da medina tinham pouca gente, sa lojas tinham poucos clientes. 
O bulício, esse, não parece ter diminuído. Apesar do atentado no café Argana – que continua entrapado – os terraços dos restaurantes situados à volta da praça estavam cheios. É de lá que se tem uma vista privilegiada sobre o terreiro, que inclui um mercado bem comoos  restaurantes de levante, lojas a toda a volta, e uma quantidade de carroças que vendem sobretudo sumo de (saborosas) laranjas.
Digamos que a praça Fna é o ponto de encontro e/ou partida para uma visita à medina, um labirinto de ruas e ruelas onde se cruzam burros, mobilettes, bicicletas, compradores nos diversos souks (mercados) temáticos e uma quantidade de turistas na sua grande maioria acompanhados por guias locais.

Outra constatação. Os marroquinos fizeram um
UP GRADE AOS 'PETITS TAXIS'
Quem estava habituado a reconhecer os velhos Unos que formigavam nas urbes marroquinas como “pequenos táxis”, surpreendeu-se com os Dacia e os Clio da Renault, mas não só, pintados ainda de beije, mas com as carroçarias ainda pouco amassadas dos pequenos toques e a pintura a reluzir. Segundo informação privilegiada, tratou-se de um investimento significativo da Renault em Marrocos, através da instalação de uma fábrica no país.
Também há diferenças nas
ESTRADAS
Muitos troços foram melhorados. A subida do Atlas, desta vez, pareceu-me estar com o piso melhorado. Lembro-me também da estrada que percorre o Vale do ZIZ. Apesar do traçado ainda acompanhar as curvas de nível da montanha, muitos troços apresentavam piso novo.
A auto-estrada que, há quatro anos, ainda estava em obras na zona de Tanger, já vai até Port Med, a nova zona portuária, o porto de exportação de produtos marroquinos por excelência. Fica entre Tanger e Ceuta e parece uma obra de vulto. Pena que a auto-estrada não vá até Ceuta, deixando a uma antiga via dupla mas de mau piso e vento contínuo a tarefa de nos levar à cidade espanhola.
No entanto, os dois espelhos da Pan saltaram em andamento, depois de duas valentes cacetadas na suspensão.
Desta vez, os famosos
“GARDIENS”,
pessoas que rapidamente se disponibilizavam para guardar as motos, ou não se mostraram ou, nos raros adventos, nunca insistiram para receber a célebre gorjeta. Entre Marraquexe e Fez, tal como me havia assegurado o guia Omar, tudo correu sobre rodas neste aspecto. Quando alguém me dava a entender que era “gardien”, dizia-lhe que se devia voltar para o nosso guia. Resultou!
Marraquexe. À porta do Al Andalous.

A
SEGURANÇA
está mais visível. Nota-se nos hotéis e na estrada. Na hotelaria segurança privada, na estrada polícia de trânsito. Aqui, os controlos por radar são frequentes, assim como as barreiras de fiscalização à entrada das cidades. Parece existir uma forte preocupação com a segurança das pessoas em geral, mas dos turistas em particular. O que não invalidou ter sido o Jorge obrigado a frustar uma tentativa de roubo por esticão.
Marraquexe.  A estética da segurança.
Outro tipo de segurança que se assinalámos envolve o rei. Ali perto de Casablanca, onde o rei tem uma casa, melhor, uma quinta, melhor uma propriedade, durante alguns quilómetros todas as pontes, entradas e saídas da auto-estrada tinham guardas. Deu-se o caso, inclusivamente de alguns terem feito continência à passagem da nossa caravana...
Num desses nós de auto-estrada, protagonizei um dos momentos mais acutilantes do dia, quando percebi tarde de mais que devia sair à direita. Fui obrigado a fazer uma ligeira marcha atrás mas em plenas “barbas” do polícia, que ainda ajudou na manobra.
Marraquexe.  Segurança reforçada.
Mas também há aspectos invariáveis, se os compararmos com os de outras jornadas. A dinâmica do trânsito, a rara manutenção, os preços, as parabólicas, o estatuto das mulheres, o contraste ecológico, etc, mantêm-se. 
 
O
TRÂNSITO
está no grupo do que não sofreu grande modificação. Nas cidades mantém um fulgor único que vai desde a premência exaustiva das buzinas, passa pelo ultrapassar dos traços contínuos e pela ocupação das faixas contrárias, até ao desrespeito excessivo (talvez agora mais atenuado) pelos peões.
E, dentro da medina, assim como na praça Fna, mantém-se o fluxo de burros, mobilletes, carroças, biciletas, andamentos lentos ou rápidos, em silencio ou burburinho, por entre ruas amplas, luminosas e compridas ou vielas curtas e sobrias.
Nas auto-estradas, já há muitos a andar depressa, mas a maioria anda devagar e desviam-se lentamente. Mesmo assim, passámos por mais acidentes, na maioria dos casos com carrinhas e camiões.
Nas estradas, é o vagar que impera, delonga essa que, associada aos extensos traços contínuos, pode dificultar extremamente as ultrapassagens quando se guia um “quatro rodas”. Bastantes pessoas, sobretudo crianças (ainda) acenam à passagem das motos.
Marraquexe.  Segurança esforçada.
 O
‘NÃO’
mantém-se fora do léxico marroquino. A inexistência do vocábulo no discurso também se preserva. Há sempre! Qualquer coisa! E, quando não há, vai-se buscar ao lado ou substitui-se por outra coisa. Não há pedido que não se perceba, não há pedido que não seja satisfeito, mesmo que uma cerveja apareça como copo de chá, a sobremesa passe invariavelmente pela fruta, as alternativas de visitas não se diversifiquem. A dificuldade que eu tenho em não dizer não.
Boumalne du Dadés, no final do Vale das Rosas.
 A
MANUTENÇÃO TARDA EM CHEGAR
No sul, prefere-se fazer novas casas (em adobe) do que recuperar as antigas. Um pouco por todo o lado, protela-se a substituição de azulejos partidos ou em falta, se nota a ausência de revestimentos em sistemas elétricos, rebocos nas paredes, faltas de tinta nas madeiras, escassez de tampas em colectores. Sabe-se, porém, que o clima nas cidades mais populosas não é muito húmido nem chuvosos, pelo que aos materiais eléctricos até lhes deve fazer estar ao ar... 
Marraquexe.  Segurança forçada.
Os
PREÇOS
subiram ligeiramente. Que o diga o sumo de laranja da Fna, que sofreu um acréscimo de 30%, passando de 3 dirhams para 4, em apenas 2 anos. Um café pode chegar aos 10 dirhams, uma água de litro e meio vai aos 15 dirhams e uma cerveja aos 30 dirhams. Mas pode haver variações de um cliente para outro ou simplesmente pode ser pedido um valor exorbitante… a especulação continua. Porém, procura-se habitualmente chegar a um consenso, a um valor que satisfaça as duas partes, apesar do valor inicialmente pedido ser na maioria das vezes desproporcionado.
Três monumentos por 6€.

Nota-se agora, também, sobretudo nas cidades, uma
MENOR FLEXIBILIDADE PARA A DISCUSSÃO
de preços, de modo que o desconto proporcione outros negócios. Parece que os preços pedidos se restringem apenas ao bem negociado e não ao potencial de vender mais produtos ou de desenvolver outras atividades.
Embora a paisagem urbana se tenha modificado com o crescimento significativo de prédios e urbanizações, o campo continua verdejante no norte até ao Atlas e nos vales dos grandes espaços desérticos do sul. O famoso Vale das Rosas – de Ouarzazate até Boumalne – os vales do Dadés, do Todra e do Ziz, são disso exemplo.

A banca dos fósseis.
 Continua a ser surpreendente o
CONTRASTE ECOLÓGICO
 
entre os beges avermelhados das rochas nuas e secas e os verdes das palmeiras e dos produtos hortícolas. A rota dos casbás, por exemplo, de Tinerhir a Rissani, também partilha desse contratse ecológico, um evidente confronto estético entre o palmeiral, o solo e o adobe das casas.
O vermelho da terra, o verde da vegetação e o azul do céu.
As
PARABÓLICAS
já se notavam há anos nas açoteias. Até nas casas mais modestas. Parecem maternidades de discos voadores. Enxameiam os telhados como antes as antenas hertzianas formigavam nos nossos. Emprestam mais claridade à vista mas continuam a ser ruído na paisagem. Invadem agora também muitas varandas nas cidades.
Pequenas parabócicas nas varandas.
As
MULHERES
continuam veladas. Mais tapadas e ocultas no sul, e mais visíveis no norte. Apesar de, sobretudo nas grandes cidades, já se verem muitas mulheres – maioritariamente jovens – que passeiam, conversam e, algumas, até surpreendemos a jogar futebol numa praça (e “jogavam bem”), a separação entre homens e mulheres e a rara visibilidade destas em público mantém-se.


E, agora, vamos

A CAMINHO DOS DESFILADEIROS

Os prognósticos não eram muito seguros. Ia chover, mas talvez não nesta manhã. Na verdade, fomos até à área de serviço de Alcácer do Sal sob um promissor azul celeste. Eramos já quatro em três motos. Das nove e meia às onze continuamos pela A2, entrámos na Via do Infante e paramos para reabastecer e juntar mais uma moto na área de serviço de Olhão. Dali, saímos seis em quatro motos.
Reabastecemos na área de serviço de Quadrejon e concluímos que nem aqui nem na área de Cerro del Fantasma há restaurante. Por tal, saímos da via rápida que leva a Algeciras.


Pouco depois, entrámos em
EL PORTAL
onde almoçamos num restaurante de esquina por excelentes 8 euros, com direito a algumas dúvidas sobre o género de um(a) dos (as) empregados (as), enquanto víamos as paredes plenas de fotos do dono, um antigo membro das forças especiais.
Em El Portal, próximo de Puerto de Santa Maria, Cádiz.
Reunimo-nos com os restantes participantes em pleno porto de
TARIFA, O SÍTIO ONDE O VENTO VENTA 
Desta vez, fomos obrigados a enfileirar, a meio da faixa de rodagem, no sentido da cabina do operador marítimo FRS. Foi nessa companhia que havíamos reservado as passagens do grupo e, por tal, beneficiamos com um preço alvo de desconto. Estava sol, mas não muito quente. 
Nesta altura, apenas se quer ir...
No cais, o ambiente estava muito diferente do que havíamos sentido há dois anos. Nessa altura, não havia muitos viajantes. Desta vez, a fila ia praticamente até à entrada do porto, preenchida por carros, autocaravanas e camiões. Só no nosso grupo, contavam-se vinte e quatro pessoas em dezasseis motos: dez STXs, quatro STs e 2 BMWs. Mas não eramos o único grupo de motociclistas: ainda entraram no barco mais seis motos espanholas.
Tarifa. Na fila de embarque.
A logística foi complicada. A reserva não tinha toda a informação – houve passaportes a ser entregues no dia anterior ao da partida – e o operador atrapalhou-se com tanta freguesia. Acabámos por entrar no porão com cerca de 15 minutos de atraso. A fixação das motos também foi morosa. A fila de controlo de passaportes foi-se igualmente arrastando durante os 45 minutos que demorou a travessia. 
Tarifa. No porão do FRS das 19:00
Era quarta-feira de Páscoa. O barco estava lotado.
HAVIA MUITA GENTE A ENTRAR EM TANGER,
quer a pé, quer de carro. Todos saiam para uma plataforma semelhante à dos ferries que ligam Setúbal a Troia, ou seja, estruturas relativamente simples. Fomos dos últimos a sair. Anoitecia, mas ainda não chovia.
Parámos pouco depois, para os habituais trâmites fronteiriços. Preparados para o habitual conflito com os angariadores de documentos, chocámos afinal com a burocracia marroquina: preenche mais isto, dá cá mais aquilo, agora estes, depois os outros, quem vem pela primeira vez tem de ir lá acima, não aceitamos documentos com impressão no verso, mostra passaporte, arruma passaporte. Mas apenas lidámos com membros da autoridade fronteiriça.
Tanger. Traseiras do Ibis.
Trocámos dinheiro num balcão e no multibanco. Seguimos para o Ibis City Center ao longo da extensa marginal e, por volta das nove da noite estávamos a arrumar as motos no alpendre do hotel. Tivemos alguma vantagem no valor de reserva face ao nosso guia que se ocupou de quase todos os restantes alojamentos. O Ibis fez-me mais barato: um casal ficou por 944 dirhams, em regime de meia pensão.
Tarifa. Saída do porto.
 Só no dia seguinte percebemos que, à volta do hotel, cresciam prédios como cogumelos medram na serra de Sintra. Saímos por entre os esqueletos inacabados dos edifícios que estão a mudar o ambiente urbano da urbe tangerina. Tantos, não sei porquê. Porquê tão altos, talvez arrisque: enquanto não chegarem à altura dos crescentes dos minaretes (que ficam na parte alta/antiga), podem ir por ali acima.

Estava frio e já chovia quando deixamos Tanger para entrar na
AUTO-ESTRADA A CAMINHO DE MARRAQUEXE
Deixamos o outro Ibis à direita, na rotunda que dá acesso ao aeroporto – onde havíamos pernoitado há 2 anos – e, pouco depois, dávamos início aos quase 600 quilómetros que iríamos percorrer em auto-estrada. O mau tempo acompanhou-nos até depois de Rabat. Foi praticamente durante toda a manhã, ao longo de cerca de 300 quilómetros. Chovia, quando parámos após 150 quilómetros na área de serviço de Msanara, perdida entre as lezírias atlânticas do norte de Marrocos.
Área de serviço de Msarana.
Almoçámos noutra área de serviço, a de Bouznika, já perto de Casablanca. Foi o primeiro contacto de alguns com as tajines. Poucas queixas face ao tempo e à dinâmica do grupo faziam supor que a jornada não seria difícil. De vez em quando, deparávamos com um tripé, uma máquina e um polícia na zona central da auto-estrada, meio escondidos pela vegetação alta, talvez com mais frequência do que das vezes anteriores. Também continua ser comum atravessar, apanhar erva ou simplesmente transitar pela auto-estrada.
Área de serviço de Bouznika.
Continuámos para sul e, perto do desvio para Beni Mellal, notou-se um aumento substancial de polícias, que se multiplicavam por pontes e viadutos, saídas e entradas da auto-estrada. Numa destas saídas, vi com alguma dificuldade a placa que indicava o (último) desvio para Marraquexe. Falhei-o, por pouco, e fui obrigado a fazer uma “marcha atrás” forçada em plenas “barbas” da polícia. Eu e mais alguns.

Chegámos a tempo de assistir ao
FIM DA TARDE EM MARRAQUEXE
Estava quente, ambiente agitado, muito trânsito ao longo da extensa avenida Mohamed VI e entrámos numa zona residencial com bom aspecto. Parámos no Al Andalous, quatro estrelas, grande espaçoso, com um estacionamento privativo vedado e vigiado. As motos ficariam bem protegidas no http://www.elandalous-marrakech.com/.
Marraquexe. Próximo dos restaurantes de levante.
Esperava-nos um átrio amplo, uma piscina simpática com muito espaço para estar, dois bares com música ao vivo, um grande restaurante, quartos antigos mas suficientemente agradáveis, com casa de banho e uma dependência separada. Jantar em regime de buffet, pernoita e pequeno-almoço, ficou por 40 euros por pessoa em quarto duplo.
Marraquexe. Piscina do hotel Al Andalous. 
Depois de jantarmos, um passeio de cerca de 15 minutos, levou-nos à famosa praça
JEMAA EL FNA

Pouca gente, trânsito mais suave, menos turistas. O ambiente, ainda assim, mantém-se exótico e festivo, protagonizado sobretudo pelos diversos grupos de músicos e performers que se distribuem pela zona menos iluminada da praça. As carroças de laranjas, que vendem um sumo excelente, os restaurantes de levante que servem caracóis, as lojas temáticas em redor, os vendedores ambulantes que mostram uma parafernália de produtos artesanais, estavam lá sob uma surpreendente noite fria.
Marraquexe. De novo na Fna junto dos restaurantes.
Voltámos ao hotel, caminhando ao longo das avenidas da zona de Hivernage, sempre orientados pelos quase 70 metros de altura do minarete da mesquita Kutubia, o edifício mais alto da cidade. Em baixo, anexas à mesquita atual, estão ainda mais de cem colunas que, a estarem cobertas, a dariam como uma das maiores mesquitas de Marrocos.
Marraquexe. A famosa torre Koutoubia, edifício mais alto da cidade.
O dia amanheceu com sol. Mas o mais notório foi a madrugada ter sido acompanhada por um chilrear caótico da passarada que se apinhava nas árvores e nos arbustos do hotel. Despertamos realmente com a Primavera à janela. Esta sonoridade deslumbrante acompanhar-nos-ia invariavelmente durante a viagem, inclusivamente no amanhecer do albergue às portas do deserto.
Marraquexe. A panóplia de vegetais num dos souks da medina.
Sendo a quarta vez em Marraquexe, o deambular pela cidade, sobretudo pela área da medina, devia ser mais fácil. Porém, a maioria dos mapas não faz jus ao emaranhado do lugar. O que parece ser próximo e de fácil acesso revela-se sempre moroso e árduo. Desta vez, não foi excepção.

Tínhamos como objectivo visitar a
MADRASSA DE BEN YOUSEF,
uma instituição de ensino islâmica. Ficava ali a poucos metros da Fna, presumivelmente acessível contornando uma das ruas que circunda a medina.
Marraquexe. Boutique na medina.
Lá fomos, com apenas uma confirmação obtida num posto militar próximo de uma das portas. Lá dentro, no entanto, o labirinto de pequenas ruas que se ramificam em outras ainda mais pequenas, não deixa grande margem de manobra para erros. É curioso olhar para uma planta turística da medina e verificar no terreno que o detalhe fica muito aquém da realidade.
Marraquexe. Quando não estão ocultos, os minaretes das mesquitas são os únicos pontos de referência no interior da medina. 
Não há nada pior do que um guia perdido e, por tal, foi necessário perguntar num centro de saúde e num pequena loja a direcção da madrassa. Ao fim de algumas hesitações, demos com a Madrassa. Valeu a pena. O edifício é curioso. Entra-se por uma espécie de corredor, alto e longo, chega-se a um pequeno átrio que, depois, dá acesso ao pátio, às salas de aulas e aos quartos dos estudantes. 

Museu de Marraquexe. Equipamento de luxo, num quarto de estudante.
O pátio é excelente: luminoso, ornamentado, espaçoso, protegido a toda a volta por uma galeria. São sobretudo as admiráveis decorações em estuque/gesso, os magníficos azulejos e as soberbas madeiras que mais arrebatam, trabalhos minuciosos especialmente os gessos, de um recortado tão meticuloso e artístico que fazem lembrar a origem das nossas rendas, mas também a notar a influência andaluza e mudéjar em alguns ornamentos.
No interior, ao nível do piso térreo, estão as salas de aula. No piso superior, distribuem-se os quartos, uma espécie de celas monásticas, umas maiores que outras, umas mais simples, outras mais sofisticadas, outras à volta de pátios. Aqui, como nos mosteiros, a decoração é ínfima, apenas percebida em certos detalhes das madeiras. Com o mesmo bilhete visitava-se dois lugares, e ainda um terceiro, a Qoubba (cúpula, em árabe), que estava fechada para restauro.
Marraquexe. "Alunos" portugueses à porta da madrasa.
Saímos satisfeitos a caminho do
MUSEU DE MARRAQUEXE
(ler mais em ARTE, na Parte II)

Aqui, tal como havia lido, vale mais o edifício do que a colecção Por isso, a atenção centrou-se mais no antigo palácio, nomeadamente no seu pátio central, do que nas peças ou obras expostas. Sabe-se também que expor – não sendo com estrito interesse comercial – não é um forte marroquino. 
Museu de Marraquexe. Efeito central no tecto do pátio do museu.
Por outro lado, o espólio não parece constituir-se como peças de museu, tão contemporâneos parecem os objectos expostos. Dá até a impressão que conseguiríamos mais e outros elementos museológicos susceptíveis de ilustrar o passado. Porém, tal não deve ser muito fácil. Os marroquinos não atribuem muito valor aos mesmos bens materiais que nós relevamos e o passado histórico parece ser recontado à medida que o poder o define. Talvez também por isso, ao invés da dinâmica do presente, o passado não disponha de guias. Para ter explicações dedicadas, pareceu-me ser preciso contar com guias especiais.
Museu de Marraquexe. Um punhal do século XX.
À saída, detivemo-nos numa esplanada no pátio exterior. Valeu a intervenção de um improvisado guia do nosso grupo que nos elucidou sobre as minúcias de uma cadeira de ferro marroquina. Depois, foi simples chegar à Fna. Parecia estar logo ali. Mas ainda pararmos numa ervanária que vendia de tudo, desde incenso em pedra, sabonete em pasta e descongestionadores nasais em semente.

Marraquexe. Prapça Fna. Ricas laranjas, gostasas e sumarentas.
Almoçamos num dos restaurantes térreos que circundam a praça e servem refeições simples e baratas. Enquanto esperávamos, fomos observando com tranquilidade a dinâmica daquele espaço, onde se destacava um homem empenhado em ganhar alguns dirhams colocando o seu macaco nos ombros dos turistas.


Ir ao
CAFÉ GLACIER
é um must, li num artigo sobre a praça. Fizemo-lo e aproveitamos para subir ao terraço e fotografar a Fna, o que também é tradicional. Em baixo, no terreiro, um aguadeiro procurava que lhe tirasse uma fotografia, alguns jovens passeavam cobras de madeira, as pequenas aceleras cruzavam a praça. Preparava-se a noite com serenidade.
Marraquexe. Nesta planura, descobrem-se rapidamente as torres das mesquitas.
A caminho do hotel pousamos junto à Kutubia, quando a tarde já anunciava que a noite iria esfriar de novo. Ensaiamos uma quantidade de fotografias com a mesquita em fundo e voltamos a Hivernage, para percorrermos de novo as ruas rectilíneas que levavam ao hotel. 
Marraquexe. O grupo da tarde num dos jardins próximo de Koutoubia.
Dividimo-nos ao longo do bairro e caminhamos devagar sob as árvores perfiladas nos passeios, observando sobretudo os traços do ambiente que, num bairro semelhante aos da classe alta de Lisboa, surpreendem. São varandas floridas, elementos arquitectónicos típicos em madeira, floreiras e canteiros bem arranjados. 
Marraquexe. O detalhe da madeira nas janelas.
O fim do dia continuava a ser marcado por aquela tonalidade salmonada que as muralhas e as fachadas dos prédios a reflectem e cujas formas apenas a arquitectura distingue. Acabámos a noite no bar do hotel, ao som da cadenciada música e canção marroquinas.
Varandas floridas em Hivernage.
Era o dia seguinte que marcava o verdadeiro início da aventura: reviver a travessia do
ATLAS
e revisitar Ait Ben Haddou. Para muitos, só o casbá seria novidade. Para outros, seriam duas estreias. 

Saímos de Marraquexe para leste e atravessámos lentamente os arredores em dia de souk. Logo após entrarmos na “nacional” demos com os píncaros nevados do Atlas. Era um manto branco que se estendia como chantilly sobre bolo. O piso piorou e a estrada estreitou assim que abordamos as primeiras curvas. Estava mais frio á medida que subíamos, mas ficou claro que não estaria tanto frio nem tanto vento como acontecera em 2007.
Atlas. Já se nota a neve, ao fundo nos píncaros, desde o início da subida.
à medida que trepamos, a paisagem vai mudando de acordo com os diferentes patamares ecológicos. Da vegetação alta e abundante do sopé, a altitude vai descobrindo uma cada vez maior nudez das falésias.


A caminho do
COL DO TICHKA
a fauna também vai mudando até que apenas surgem as cabras nos píncaros ou surpreendentes cães na beira da estrada ou a acompanhar rebanhos.
Atlas. Ainda na subida para o Col du Tichka, o mimetismo entre a construção e o relevo.
Desta vez, apanhámos mais trânsito de particulares, camiões, excursões, mais turistas, mas menos frio e menos excitação dos vendedores. No topo do Tichka, demos com um casal numa BMW, de matrícula espanhola, ele belga, ela irlandesa, que nos confidenciaram haver muitos 4X4 no deserto.
Atlas. Mais uma vez, é sobretudo o vale que garante a subsistência.
Artesanato, turistas, o marco que regista a altitude, um café, a nudez das encostas e a neve nos cumes. Ali parece que o céu está mais azul. E o ar já algo rarefeito. Estávamos a 2260 metros de altitude, numa espécie de "torre" à imagem da serra da Estrela.
Col du Tichka, por volta das 12:00.
Passados meia centena de quilómetros a nacional que antes vai ao longo das curvas de nível do Atlas, vai-se progressivamente transformando em longas rectas. Pouco antes de Tazentout, paramos para reunir a caravana. Depois, deixámos a estrada nacional e viramos à esquerda. Se, já antes, os campos se iam despindo cada vez mais de vegetação, a partir dali o ambiente torna-se praticamente árido.
Tazentout. No desvio para Ait BenHaddou.
E só próximo da povoação de Ait BenHaddou que se volta ao palmeiral. Omar, o nosso guia durante os próximos dias, aguardava-nos no restaurante Etoile D’Or, onde almoçamos. Depois, atravessámos a ponte sobre o rio Ounila que, nesta ocasião, ainda levava um fio de água, e entramos no casbá de


AIT BENHADDOU
Ait Benhaddou, visto da outra margem do rio.
Está mais estragado. A construção em adobe degrada-se sistematicamente. Já mostra muitas fendas sobretudo nos elementos decorativos que encimam as torres. Em 2005, quando visitei o interior pela última vez, estava impressionantemente bem conservada, também fruto dos apoios da Unesco, já que a fortaleza é considerada património mundial.
Foi fundada pelo patriarca da família Ben Haddou no século VIII e hoje ainda alberga algumas famílias. Foi cenário de inúmeros filmes desde os anos 60, taios como “Sodoma e Gomorra”, até ao mais recente, "Príncipe da Pérsia" de 2010.
Ait Benhaddou. Torres decoradas.
Na parte baixa, está sobretudo a zona residencial, habitada por poucas famílias, e a zona comercial, preenchida por escassas lojas. É através das ruas estreitas e de piso irregular que vamos passando por espaços de tecelagem, manutenção, pela judiaria, por pequenos miradouros.
Ait Benhaddou. O acesso à entrada principal do casbá faz-se sobre a spedras do rio.
Continuamos a trepar rumo à parte alta, defendida por uma pequena muralha, que antes servia de celeiro comunitário, possuindo cada família o seu espaço de armazenamento de cereais. No topo, ao lado de uma acanhada torre, é possível ver a paisagem em todo o redor da fortaleza e controlar qualquer aproximação. 
Ait Benhaddou. De novo, o contraste entre o solo, a vegetação e o céu.
É dali que se vê nitidamente o contraste entre a aridez dos arrabaldes e palmeiral verdejante, entre o deserto de pedra e o oásis de Ait Benhaddou. É dali que se percebe o trabalho decorativo das torres, assim como os meandros do caminho, o intrincado das vielas, e ainda a leve brisa que varre o cimo da fortaleza.
Ait Benhaddou. Trepar ao antigo celeiro.
Já em 2005, havia notado que algumas das lojas expunham objectos artísticos, entre quadros e peças de artesanato decorativo, passando pelos tecidos e pela roupa. Desta vez, surpreendeu-nos a técnica utilizada na criação de algumas pinturas, nomeadamente na representada aqui em baixo, inicialmente feita com açafrão, depois queimada com a chama de um bico de botija. O resultado é semelhante aos das telas pintadas com café.
Não visitámos – tal como o havíamos feito em 2005 – uma casa típica de casbá, mas assistimos à construção de um muro para cenário, à tecelagem de um pano e à escultura de uma peça em madeira, além de termos passado por um take de publicidade produzido numa das vielas da fortaleza.
Ait Benhaddou. Um dos sítios cinematográficos do casbá.
Deixámos Ait Benhaddou a caminho de Ouarzazate. Passámos pelos Estúdios Atlas e virámos para Tabounte. Já sabíamos que o hotel ficava longe do centro, mas que estaria praticamente por nossa conta. Se bem que a distância à cidade tenha obrigado a ir de carrinha, também o ambiente familiar do hotel contribuiu para termos um fim de noite memorável, que contou logo com as estórias mais recentes da viagem.
Sob e sobre o telhado de canas, o omnipresente adobe.
Em vez de irmos para o casbá Taorit, na zona cultural, fomos levados para o centro de Ouarzazate, a zona comercial da cidade. Como não conhecia esta parte da urbe, não insisti na correcção do erro. Fiz mal. Naquele “centro”, o espaço organiza-se com padrões demasiado europeus e não desperta grande interesse.
A caminho do centro de Ouarzazate.
Já o hotel era um grande riad (uma espécie de turismo de habitação marroquino),
DAR CHAMA, EM TARMIGTE,
 muito próximo de Ouarzazate. Embora não fosse “a estrear”, notava-se ter havido “dedo” na decoração, sobretudo nos quartos e em alguns elementos do pátio. Além de contar com um espaço fechado à entrada para estacionamento, organizava-se em redor de um pátio interior.
Em baixo, as salas distribuíam-se à volta do pátio e, nos andares superiores, os quartos estavam em redor da galeria. Nas traseiras, estendia-se uma piscina que se adivinhava excelente se o tempo estivesse mais quente.
Riad Dar Chamaa.
O nascer do dia voltou a ser acompanhado pelo canto dos pássaros mas, desta vez, partilhado também pelos mugidos de uma vaca que ocupava a estrebaria de uma casa vizinha. De novo, atraídos pelos contrastes, aproveitamos o sítio para observar, desde o terraço, o vasto palmeiral que separa a localidade da de Ouarzazate. Mais uma vez, foi notória a relação entre o palmeiral e a vida, entre a proximidade dos rios e os locais de habitação. 
Traseiras do riad, com o Medio Atlas em fundo.
Deixámos o hotel como habitualmente em caravana, de novo liderada pelo guia. Depois de Ouarzazate, são as longas rectas que dominam. Andamos agora com o Médio Atlas do lado esquerdo e elevações mais baixas do lado contrário. O primeiro ainda mostra neve nos cumes o que não era bom sinal para quem, mais tarde, tivesse de o atravessar mais à frente. Mas, entre nós e as elevações, estende-se um deserto de rocha que muda dos cinzentos chumbo para o quase salmão do solo. Depois, passamos a ser acompanhados a sul por extensas faixas arborizadas que marginavam dois rios, um que desce o Médio Atlas e outro que vem da planície. Parámos à vista do lugar onde ambos se encontram, meio caminho entre a montanha e a campina desértica.
Atestar o depósito com menos de 20€...
Rodávamos a velocidades de antologia. Havia várias barreiras de controlo policial que não permitiam que o Xsara do guia Omar pudesse andar muito depressa. Porque eram os condutores marroquinos que eram mandados parar. Só na primeira incursão do grupo por Marrocos fomos alvo de um controlo, mas que não teve outra consequência que não fosse a partilha de alguma informação de destino.
Paaragem para observar a confluência de dois rios entre Ouarzazate e Ait Benhaddou.
Aqui adoptámos um verdadeiro ritmo de passeio, apesar de algumas queixas feitas ao guia que eu fui obrigado a mediar. Todavia, julgo que a aquela lentidão teve a vantagem de nos mostrar o Vale das Rosas em toda a sua beleza e extensão. Foi no final que parámos já à vista de Boumalne du Dadés onde, há cinco anos, havíamos bebido um chá num  miradouro que dominava grande parte do vale.
Boumalne du dadés. À esquerda, um antigo casbá.
Desta vez, parámos antes, próximo do palmeiral. Ao longe, ainda se reconheciam os picos nevados do Médio Atlas, logo após o leito de um rio e de uma estreita faixa residencial que ocupava uma extensa falésia debruçada sobre o oued. Pouco depois, entravamos no

VALE DO DADÉS,
uma sucessão de curvas que, ao longo de cerca de vinte quilómetros, rompe um vale verdejante, uma faixa estreita de terreno ao mesmo tempo prado e horta de dezenas de aldeias. Também aqui, a cor das casas confunde-se com a da terra, misturando castanhos sob uma tonalidade avermelhada. Nota-se que é o vale que junta as pessoas naquela zona, tão árida é a parte superior dos penhascos.
A caminho das Gargantas do Dadés.
Num trecho mais abrupto, o nosso guia convidou-nos a parar e indicou-nos uma pequena elevação onde o devíamos fazer.
Estávamos nos
DEDOS DO MACACO,
uma formação rochosa mais escura, que contrasta com os montes em redor também pela sua configuração, uma espécie de dedos grossos, que se encostam uns aos outros. Foi aqui que o companheiro do Omar, o seu cunhado Hassam – cuja tarefa era zelar pelo bom estacionamento das nossas motos (um 'gardien' privativo) – nos tirou a primeira fotografia de grupo. Dali para a frente, as paredes rochosas que ladeiavam a estrada elevavam-se lentamente e os cumes agigantavam-se sucessivamente à nossa passagem.
Vale do Dadés. Á frente dos Dedos do Macaco.
Foi já com a estrada a estreitar-se entre penhascos colossais que almoçámos, no hotel Kasbah de la Vallee, o mais próximo da famosa sucessão de ganchos que trepam a falésia do Dadés. Fizemos a digestão ao longo de curvas que perfazem 180 graus a subir a montanha cada vez mais árida. Mas não são tantas curvas como as de Andorra, nem tão fechadas como as dos Picos de Europa ou de Cinque Terre, em Itália.
Nas famosas curvas onde é preciso entrar bem para não sair asneira.
No entanto, por curto que seja o trajeto, não deixa de deslumbrar. A paisagem desde o miradouro é excelente, percebendo-se o serpentear da estrada desde o vale. Esta, continua para Imilchil mas, a partir de certo ponto passa a trilho só acessível a utilizadores de TT’s, o que nos impossibilitava de cumprir um circuito ligando o Dadés ao Todra. Regressámos a Boumalne.
Um "ninho de águia" no topo da Garganta do Dadés,
Porém, ainda na estrada do vale, a moto do Quim furou. Descobriram-se
TRÊS FUROS,
decorrentes eventualmente da passagem do pneu traseiro por arames salientes na estrutura de uma ponte. Como nos havíamos dividido em dois grupos, o mais numeroso ficou parado a cerca de 2 quilómetros do que seguia à frente.
Aqui, na segunda paragém, já próximo de Boumalne.
De onde estávamos via-se a olho nu que havia muitas motos paradas. Com binóculos, via-se que estava muita gente à volta da moto do Quim. Reparado com recurso a tacos e a spray, ao fim de meia hora, o pneu parecia apenas necessitar de um acerto de pressão. Todavia, os tacos não foram suficientes e foi preciso recorrer a uma oficina, melhor, uma garagem onde o pneu foi alvo de uma primeira intervenção também testemunhada pelo nosso especialista em remendos. 
Especialistas à volta da borracha e às voltas com os furos.
Com menos 2 motos na comitiva atravessámos Boumalne e voltámos aos espaços abertos e luminosos da planície. Atravessámos Tinerhir e à saída da povoação virámos à esquerda para o
 
VALE DO TODRA
O piso dos primeiros quilómetros resumiu de imediato os seguintes. Mais estreita e em piores condições do que a do Dadés, a estrada do Todra voltava a serpentear entre falésias e a passar por lugares sem nome. Havia mais pessoas na rua do que no vale do Dadés, mas também andava mais pó no ar. 
Garganta do Todra. Ao abrigo da falésia.
Quanto mais nos internávamos no vale, pior ficava o piso, sendo que, de vez em quando, surgia terra batida em lugar de asfalto. Porém, à nossa frente, o caminho ia-se fechando, como que se as falésias avançassem para a estrada, como se se esticassem para o céu cerrando um tecto sobre a comitiva.
Aqui, há pouca água. Na semana anterior, labia os muros e inundava a estrada .
A luz alterava-se à medida que íamos atravessando o vale. Em alguns trechos, parecia que o fim da tarde tinha dado lugar à noite, quer fosse pelo fechamento dos penhascos, quer pela tonalidade cada vez mais escura das rochas. Andávamos agora pela orla do rio Todra que corria devagar. A estrada, porém, progredia muito próxima do nível do rio. E, se em determinados sítios o leito é largo, em outros é muito estreito, o que supõe fazer com a água galgue as margens com facilidade quando chove.
A falésia escurece o ambiente, ainda pouco passava das seis da tarde.
As pedras eram tantas na estrada e o piso tão mau que era fácil supor ter o rio ultrapassado as margens com facilidade e transportado todo o tipo de detritos para a estrada. Confirmei que tal acontecera, com o empregado do hotel onde bebemos um chá a ferver sob o ambiente sombrio da


GARGANTA DO TODRA
Há cerca de duas semanas, havia chovido a sério na montanha e o rio transbordara, submergindo a estrada. A noite aproximava-se e não nos demoramos muito entre os penhascos.
Para o rio subir basta chover mais.
Ali, mistura-se a fluidez do rio e a grandeza dos penhascos, o ambiente sombrio do espaço estreito e a luminosidade que surge do alto da garganta, as cores escuras da penedia e a transparência da água do rio. À medida que se vai entrando no desfiladeiro, parece que a noite advém com uma rapidez insana, quase como se de um dia de Inverno se tratasse. A garganta é uma fronteira. 

O Kasbah Lamrani, http://www.kasbahlamrani.com/fica logo à entrada de Tinehir, afastado meia centena de metros da rua principal. É o suficiente para tornar o local tranquilo. O hotel dispõe de duas salas de refeição mediadas por um pátio interior, e de quartos que se distribuem em dois andares em redor desse pátio decorado com cores suaves e variadas, em planta típica marroquina. Descobrimos no dia seguinte que piscina ocupava toda a largura do hotel a poente.
Átrio central do hotal Kasbah Lamrani.
Foi nessa manhã que encontramos outro furo, dessa feita no pneu da moto do Zé Marques. Este, porém, provocado por um prego que ainda estava espetado no pneu, foi rapidamente resolvido e não voltou a intimidar. Cerca das 10 da manhã estávamos a caminho do deserto. 
Tinehghir. Antes da detecção do furo.
É a descrição dessa incursão no inóspito mas também exótico deserto Erg Chebbi que vai para o segundo capítulo.


Entretanto, fica em vídeo
um pouco mais de um minuto de imagens
que resumem este capítulo.
(ver neste formato)


Vídeo 1 - Até Marraquexe / Música: Jess Cook, Gipsy Soul

Vídeo 2 - Ait Ben Haddou, Dadés e Todra / Música: Jess Cook, Baghdad