domingo, 21 de dezembro de 2025

Arte Aborígene I. WA Museum. Perth


Austrália, aborígenes, quase um milhão de pessoas, praticamente 4% da população australiana distribuídos por um território que vai de Lisboa a Minsk. São mais de 250 povos em territórios e com culturas e línguas diferentes.

 

Ainda hoje, há muitos aborígenes urbanos  párias e a situação dos restantes não é famosa, embora haja alguns esforços e sinais de preservação da identidade cultural e avanços em matérias de definição territorial.

Um dos aspectos onde a cultura aborígene tem uma face visível, intensa e fascinante é a arte. A arte aborígene realça ancestralidades, contando histórias, transmitindo mitologias, mostrando a forte ligação à terra e ao cosmos.

Fá-lo, através de uma simbologia ímpar, uma diversidade regional abrangente, bem como estilos e técnicas aplicadas a diversos materiais e suportes. A arte surge em casca de eucalipto, pinturas de pontos (dot painting), esculturas e arte rupestre.

Uma das mais fascinantes propostas artísticas, reproduzidas sobretudo na pintura, é a visão macro da paisagem territorial, autênticos mapas desenhados e pintados na tela. Mas não apenas itinerários terrestres.

Com efeito, não é apenas o espaço terreno que é mapeado, o espaço celeste também é profusa e esteticamente descrito mostrando o conhecimento astral dos aborígenes. 

A arte, para além dos aspectos estéticos, tem sido um dos elementos relevantes para vencer estereótipos e ignorâncias ainda hoje prevalentes na sociedade australiana. Há diversas comunidades artísticas a contribuir para tais desígnios. 


quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

O Caminho Até Aqui


Na adolescência, o Aikido era apenas uma palavra distante e misteriosa. Raros o praticavam, poucos o conheciam, ninguém o via. Um colega de liceu era a excepção, mas estava ainda no início do Caminho.




Um dia, aos cinquenta anos, vi entrar num pavilhão um estranho grupo de praticantes. E assisti à demonstração. Movimentos suaves, firmes, quase poéticos. Havia ali ciência e arte, energia e leveza. Conhecia a ACPA.


Fiquei curioso: poderia eu também aprender? Quem lá estava: jovens, idosos, todos fluíam. Pensei: chego tarde, mas ainda a tempo. Onde praticar? Seria mais perto e mais familiar do que eu supunha.

Descobri o Dojo numa cave, com tapetes que tingiam o Gi. O Mestre, já septuagenário, ensinava com calma e rigor. E foram três meses de treino a dois, um privilégio raro.

Chegaram novos praticantes e o primeiro sarau. Senti-me parte de algo maior. Mas uma lesão no basquetebol obrigou-me a parar. Sete meses de pausa, sete meses de espera.

Voltei ao Dojo, mais prudente, mas também mais determinado. Vieram encontros, estágios, exames. Agora num espaço maior e mais digno, o Dojo crescia em praticantes e eu em motivação.

A Hakama marcou um novo patamar. E uma nova queda. O chão e o ombro encontraram-se violentamente. Outro hiato, mais fisioterapia, mais paciência. Mas o Caminho não se perde, apenas muda o ritmo.

Retomei o treino, passo a passo, com humildade e atenção. O corpo aprende, a mente desperta, a vontade sustenta. Chegou o Primeiro Dan, conquista e renascimento.

O Japão cruzou-se no meu percurso, juntando prática e cultura, em Tóquio e em Kamakura. Uma hora eterna de prática no Hombu Dojo da Aikikai, é outro privilégio, o de aprender na fonte.


Também estive com a Federação. A juntar as mesmas vontades e práticas diferentes. Pelo bem de todos. Excelente tempo de aprendizagem, do que fazer e do que não fazer.




A hipótese de ensinar surgiu no Caminho. Ensinar tornou-se a continuação natural do aprender. O aluno dá (também) lugar ao instrutor. Partilho o que recebi, repito o que aprendi, transmito o que compreendi.

A pandemia implicou mudanças. Transformou salas em parques e casas em Dojos. O Aikido resistiu e adaptou-se a novos espaços. Muitos aprenderam armas em meses o que demorava anos.

Recuperado o bem-estar, o regresso aos Dojos foi lento mas constante. Pouco a pouco, a magia do Aikido reforçou vontades e estimulou o Caminho. A cerveja também ajuda.

Hoje, há tantos ou mais praticantes do que naquela época, e mais eventos. Continuo, com amigos, Mestres e alunos, no mesmo Caminho, o bom Caminho do Aikido.

Dezoito anos depois de começar, a maioridade da prática é tão deliciosa como responsável, tão festiva como profícua.





quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Lezíria, de moto entre o Tejo e o Sorraia

Deixamos Vila Franca de Xira e saímos do asfalto depois da ponte Marechal Carmona. Entramos na lezíria. Estamos numa várzea ou planície de inundação, terrenos baixos e alagadiços nas margens de um rio.

O trilho vai em terra batida no início. Depois, também há muita pedrinha solta, daquela que nos faz navegar em duas rodas. Em redor, é o solo de aluvião que domina a paisagem.

O horizonte estende-se pela lezíria como se de mar se tratasse. Vê-se até ao fim do mundo. Mas nao estamos no oceano, embora estejamos rodeados de água. Temos, claro, pelo menos, o Tejo como companheiro.

 

Dizem ser terrenos fertéis de cultivo, dedicados à produção de arroz. Dos cavalos, gado e campinos não vi rasto. Mas o que se vislumbra de imedito é um pequena construção em altura no meio de nada.

Quase como farol, neste caso não de aviso à navegação, mas dedicada a Nossa Senhora de Alcamé, surge uma ermida, de grandes dimensões para o local, de traça barroca, paredes brancas e grossas para aguentar intempéries.

Há quem relacione “al jazeera”, península, em português, à palavra lezíria. E o termo, "Alcamé", deriva do árabe "achmé", que significa trigo. Fertilidade e religiosidade misturam-se para assegurar ordem.

A ermida tem origem no últmo quartel do século XVIII. A romaria que ainda leva muitos peregrinos ao santuário, teve iníco no início do século XIX, mas só foi retomada nos anos 40 do século XX, durante poucos anos, tendo ressurgido na viragem do último século.

 

Em redor da ermida a planície estende-se para o rio. Ao longe, vêem-se as margens com algumas casas e pequenas elevações. Voltando os olhos para a lezíria, há algo de novo: dezenas de cegonhas parecem imóveis.

Não estão. Bicam lentamente o pântano em busca de alimento. Lentamente, algumas afastam-se sem pressa alguma. Daí a nada, já não está lá nenhuma. A lezíria volta à calma e ao silêncio com que me acolheu.

Deixo a várzea no sossego que encontrei. Paro uma ou duas vezes para perceber que há canais de irrigação e alguns mecanismos relacionados com a água. Abandono os trilhos poeirentos e pedregosos, entre a canais, pântanos e terra firme.

Deixo a planície onde o Tejo e o Sorraia escoltam o extenso verde. Por lá, ficam os sapais, os açudes, os mouchões. Estive na Reserva Natural do Estuário do Tejo. Hei de aqui voltar. Há muito mais para descobrir.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Forte do Abano

Forte do GuinchoForte das Velas ou Forte do Abano, localiza-se sobre a praia do Abano, em Alcabideche (Cascais), mas toda a gente conhece o sítio como Guincho. Vou chamar-lhe Forte do Abano.

Vê-se bem desde a praia do Guincho, sobre uma falésia. Até lá, desde a estrada de asfalto, são 1200 metros em terra batida, nem sempre tão lisa que permita rodar sem atenção a alguns regos mais profundos provocados pela água.

Mas faz-se bem, sem dramatismos com uma moto para trail. Há pó, não muito tráfego, mas é preciso parar à frente do estacionamento da praia do Abano. Aqui, a circulação de Ubers indica que o acesso à praia não é fácil para automóveis particulares.

Deixei passar um carro. Devia ter esperado. Levanta-se pó que me envolve e à moto. O condutor do carro percebeu. Encostou para me deixar passar. Parei ao seu lado e agradeci. Continua a haver pessoas que olham em redor.

Depois, é continuar até uma curva fechada, de onde se vê um edifício em pedra à direita, com alguns carros estacionados na proximidade. Mais abaixo, está o Forte do Abano, isolado, quase pendurado à beira da falésia.

O forte foi construído em 1642, durante a reorganização do sistema defensivo da Barra do Tejo, no reinado de D. João IV, para impedir desembarques inimigos e vigiar a costa entre os fortes da Roca e de S. Brás de Sanxete.

Nos séculos XVIII e XIX, o forte foi reformado várias vezes, recebendo merlões, canhoneiras e guaritas (hoje inexistentes). Entre 1793 e 1796, sofreu grandes alterações na zona do aquartelamento, com ampliação do pátio e da cisterna.

Apresenta paredes inclinadas, abóbadas de berço e portal em arco de volta perfeita com brasão real. No final do século XVIII, foi construído um parapeito e um paredão para consolidar a base rochosa.

Com planta quadrangular, organiza-se em dois espaços principais: o pátio dos alojamentos e a plataforma da bateria, que possuía sete peças de artilharia. As muralhas estão tão degradadas que é arriscado sequer tentar entrar pelas brechas.

Foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1977. Em 2016, o Estado abriu um concurso de concessão a privados, com o objetivo de promover a reabilitação e conservação do edifício. Mas não teve sucesso.

A  ruína acentuou-se, para o que contribui também a dificuldade de acesso. Talvez tenha sucesso o estudo de requalificação para funcionar como centro de interpretação do Parque Natural de Sintra-Cascais.

Até lá, o forte continua a suscitar alguma curiosidade a quem tem acesso ao sítio. Por hoje, mantém-se como um símbolo histórico do sistema defensivo costeiro português e da arquitetura militar do século XVII.