segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Aldeia Saloia. Mestre João Franco

 Quém é daqui, sabe o que era e onde estava. Não havia ano em que não houvesse visita ou viagem de estudo., com pais ou professores e colegas de liceu. O rural, apesar de não especialmente atractivo para os jovens urbanitas, deixava algum impacto.


A memória vai, aos puxões, para as miniaturas animadas mecanicamente, para a estética da(s) “aldeia(s)” - a das lojas e a das miniaturas - e para algumas figuras de barro, feitas pelas mãos do Mestre Franco e da sua mulher Helena.

Estamos na Aldeia Museu José Franco, em Sobreiro, Mafra. Foram eles que a moldaram, foram esles que criaram um dos espólios artísticos ligados à olaria desta região.  Mas não só. Todo espaço evidenciava um património cultural importante.

Ainda situada numa região, a que uns ainda chamam “saloia”, o património rural ligado aos usos e costumes, especialmente aos trabalhos da terra, à arquitectura aos utensílios, à produção de bens primários, estava lá representada.

 Hoje, a cerâmica mantém a sua presença, com a sala de trabalho e uma sala de exposições onde se encontra parte da obra do Mestre. O coreto domina o pátio, a par da nora e até uma espécie de muralha com adarve.

Notória, a tipicidade dos sítios, incluindo o restaurante ou a adega, além do sítio da forja, do ferrador, da sala de aulas da escola primária, do cantinho dos instrumentos musicais, do sítio dos barcos, alfaias, carroças, etc.

Há uma Mercearia da Aldeia, com mobiliário típico do início do século passado, mas com produtos que ainda lembram esses tempos. Na Padaria, o pão tipico, habitualmente apelidade de Pão de Mafra, mantém a tradição e mantém-se como uma especialidade local.

Uma boa meia hora, sem grande afluência, num dia de semana, dá para deambular calmamente pelos meandros da tradição rural saloia. E, igualmente, recordar outros tempos, quando não davamos puto de atenção a alguns detalhes que fazem parte da nossa identidade.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Copenhaga. Mercados de Natal

Luzes, frio, alegria, artesanato e petiscos. Glögg/gløgg - vinho tinto (quase) quente -, montras animadas e canoagem iluminada. Muita gente na rua, lojas cheias, restaurantes a abarrotar. São os mercados de Natal escandinavos. Estes são em Copenhaga. Está frio, como seria de esperar. Vamos a isto!

Passamos pelo Mercado de Natal Kongens Nytorv. Nas bancas, há dezenas de lanternas decoradas. Luz não falta. Quer de leds, quer de velas de cera. Bebemos um vinho quente para dar cabo dos 3 graus no ar. E ainda torcemos o pescoço para olhar para a árvore de Natal da praça da Câmara local.

 O apetite aguça-se. Tricamos um “cachorro local” com salsichas sucolentas e saborosas. Apesar de ser comida de rua, a qualidade convence. É com cerveja que os regamos, para empatarmos com o frio que se mantém. Basta uma mesa alta e nem é preciso cadeiras.

Espreitamos nas bancas os enfeites de Natal, as luvas e as peúgas quentes. Mas também lá estão, muitas salsishas e outras carnes na grelha. Os soldadinhos dinamarqueses e as luzes amarelas brilham por todo o lado. As bicicletas, mesmo à noite, não param.

Toda a gente espera a maratona de canoas desde as margens dos canais. Não é fácil conseguir um lugar vago, mas mais ou frente ou mais atrás, há espaço para assistir ao desfile. Lentamente, as canoas vão se juntando em  Nyhavn, junto do clube de Canoagem. Surgem de um lado e de outro do canal, devagar, ao ritmo da respiração.

Há canoas tradicionais, as sit-on-top, uma maiorizita com a família, outras mais largas ainda. Mas todas estão iluminadas. E os remadores também. Às tantas, já com um número significativo de canoas, surge um barco com cantores e músicos. É, salvo erro, o que fecha o desfile.

É a luz que domina. E a música e as canções vão desaparecendo a caminho do circuito pre-definido em redor do centro de Copenhaga. Ainda os apanhamos a passar sob uma ponte. Têm mais de uma hora para percorrem os canais do centro da cidade. Divertido e luminoso!

quinta-feira, 17 de julho de 2025

“Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário”

 

“Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário”, tema da exposição patente no Museu Nacional de Etnologia, salienta, entre outros aspectos, um conjunto de objetos de arte africana que sustentam a ideia de criatividade, pelo menos artística, dos povos africanos. 

Com base nas ideias que formaram e se formaram sobre o colonialismo, bem como a mitologia vs imaginário que lhe foi associado, pretende-se com a exposição renovar noções e conhecimentos sobre o tema da colonização portuguesa sobretudo em África.

Para além de (outra) documentação, são os objectos, as peças artísticas que revelam muito do pensamento e da cultura africanas, contraposto à narrativa desvalorizadora do contexto e capacidade criativa e até reivindicativa dos povos colonizados.

 

E nesse conjunto de objectos, destacam-se, entre outros, as bonecas da Namíbi, dos Camarões e da Guiné, as cabeças de feras, as mães comfilhos, as velhas maldizentes e as esposas favoritas do Mali.

 Nestes e em outros artesanatos, a mostra apresenta a vitalidade, a diversidade, a natureza, até a complexidade, e a criatividade dos povos africanos. É quase centena e meia de obras, entre objectos do museu e de colecções privadas.

Os temas são interessantes e importantes: família, relações sociais, identidade, sacralização, rituais, autoridade, tudo está representado através dos objectos expostos. As obras artísticas são disso evidências que materializam estes temas.

 No Museu de Etnologia até 2 novembro de 2025

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Na Lapa de Santa Margarida



Ver, não se vê. Ou melhor, vê-se mal, mesmo olhando desde o mar. Chegar lá, não é fácil. Sobretudo, a partir da estrada. Estamos na Arrábida, envoltos numa vegetação de plantas baixas e arbustivas, ou seja, dentro de um matagal de arbustos e árvores de pequeno porte. Há trilho, mas é estreito, irregular e pedregoso. Mas faz-se: desviam-se ramos, descem-se alguns degraus, trepa-se um murete, evitam-se alguns calhaus. 

 Para lá, para a lapa, ou seja, para um abrigo natural protegido por um rochedo, é a descer. Quando o mar se vislumbra, o trilho estreita ainda mais, mas já não há vegetação a dificultar o caminho. Este, agora, vai junto à falésia. Estamos alto, a paisagem é excelente. Há barcos ao largo e já se vê Troia.

Além da vegetação baixa e densa, há muitos cactos. E estão muito perto do trilho. São bonitos, mas é preciso atenção., até porque, já perto da gruta aparece uma indicação, em pedra, onde está escrito, "caminho particular". Continuamos até uma pequena plataforma que dá acesso à lapa. Há escadas a descer. 

Vamos por um túnel largo e o espaço em baixo, embora não se veja muito bem - o contraste luz/escuridão é significativo -, percebe-se que se alarga para gruta. A lapa fica sobre o mar, pouco acima do Atlântico. A gruta é natural, decorrente da erosão provocada sobretudo pelo batimento das ondas. 


Há ali 20 metros de largo e cerca de 5 metros de altura, espaço que se abre para o mar através de duas aberturas na rocha. Depois da habituação da vista à (pouca) luz existente, percebe-se a existência de um altar e vários espaços cavados na rocha, com adereços religiosos, dando ideia de que se trata de uma capela. A luz reflecte-se nas rochas molhadas pelas ondas, o que possibilita ver-se melhor.


Estima-se que a capela tenha sido construída nos séculos XVII / XVIII. Por trás do altar surge uma estrutura decorativa, com pilares e arcos, também com um pequeno altar na base, preenchida essencialmente com figuras religiosas. Mas também lá há um pouco de tudo do que costuma aparecer em lugares de cultos exotéricos: velas, fotografias, crucifixos, anéis, súplicas manuscritas, jarras com flores, pulseiras, etc.


Além de algumas lendas associadas, diz-se popularmente que a gruta foi tida como padroeira das mulheres grávidas, relacionando a possível relação entre a cavidade naturale os órgãos reprodutores femininos. Mas o lugar é fascinante, nem só pela originalidade e simbolismo. 


O desafio do percurso e da descoberta, ajudadados pela deslumbrante paisagem das falésias da Arrábida, valem bem o desgaste da descida e da subida, o esforço em proteger o corpo dos ramos e das pedras do caminho.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Quinta da Arealva, uma ruína

 


Há um não-sei-quê de fascinante nas ruínas. Sejam elas de antigos castelos, baterias de costa ou, pura e simplesmente, edifícios. A Quinta da Arealva é um caso desses.  Está entre o cais do Ginjal e praticamente aos pés do Cristo Rei e fica na continuidade do Cais do Olho de Boi. 

Trata-se de uma uma antiga propriedade agrícola dedicada à produção de vinho. Tem vários acessos: desde o Ginjal, desde o Cristo Rei ou desde o Museu Naval. Eu optei por descer para o Cais do Olho de Boi.

Estacionei junto de uma antiga fábrica conserveira e perguntei a uma senhora que estav na proximidade se bastava seguir em frente. “Sim, é sempre em frente, passa o portão e precisa ter cuidade, isso está muito estragado!”, disse, com ar conhecedor.

Ultrapasso o portão e fico com a falésia à esquerda e o Tejo à direita. Dou os “bons dias” a quem me pareceu sair de uma pequena casa, degradada, e continuo. Daí a pouco, já estou à vista de um conjunto de edifícos em ruínas.

A vista para Lisboa, e não só, é deslumbrante. Vai quase até Cascais. A ponte 25 de Abril está ali quase em cima dos olhos. Alcântara parece estar a dois passos. Mas as ruínas estão muito degradadas.

Há grafitos por todo o lado e as madeiras há muito que mal suportam chão e telhas. É perigoso aceder ao interior dos edifícios. Mais abaixo, percebe-se a existência de uma espécie de eira em cimento, vasta mas também degradada.

Em certos sítios, a vegetação tomou conta do chão ao telhado, quando o há.  Alguns soalhos já ruiram e mostrama existência de caves. Há um miradouro, quase ttalmente coberto por vegetação. 

Pelo que consta, esta antiga proriedade, incluia diversos edifícios. Um palácio, armazéns, tanoarias, cais fluvial, estaleiro, residências e uma ponte. Algumas construções datam do século XVIII e seguem o estilo pombalino.

A quinta teve origem no Forte da Pipa, construído no século XVII como parte do sistema de defesa do Rio Tejo. Abandonado no final do século XVIII, o forte foi transformado em residência e centro de produção vinícola. 

A propriedade tornou-se importante na região e chegou a ser habitada pelo nobre irlandês João O'Neill, que mandou construir uma capela dedicada a São João Baptista. Já durante o século XIX, a quinta foi integrada na Sociedade Vinícola Sul de Portugal.

Mais tarde, o complexo foi abandonado, vandalizado e sofreu um incêndio, ficando em ruínas no início do século XXI. Há uma década, ainda acolheu festivais de música eletrónica. 

Quando saí, voltei a encontrar a mesma senhora que me havia indicado o acesso à antiga quinta. É uma moradora, vizinha do complexo. Queixa-se do abandono do local, onde a polícia não passa, e que já foi alvo de furtos.

Resumiu a estória do complexo e sabia que, nos últimos anos, apesar de terem surgido diversos interessados em avançar com projectos, nenhum se realizou.  Actualmente sabe que há um grupo económico interessado em toda a área que vai do Ginjal ao sopé do Cristo Rei.

Será desta?

Este lado do rio, junto à margem, pouco sol recebe. Havia muita humidade na estrada o que para as duas rodas não é muito tranquilo. Porém, quer o panorama que se vislumbra na subida /descida, bem como a singularidade do lugar valem a visita. Enquanto não for um complexo hoteleiro de topo…