terça-feira, 12 de março de 2024

Encontro de Grandes Viajantes



O alerta veio do suspeito do costume. A sensibilização para moinar e partir à aventura, vinda de onde vem, é sempre um êxito. Por tal, aplica-se o, “se há que ir, vai-se”,  slogan de um grupo espanhol que também não gostava nada de viajar. Desta vez, é ir ao Encontro de Grandes Viajantes. 

Bragança: 500 kms, pelo trajecto mais próximo. Mas, em matéria de passear, muitas vezes o “mais rápido” não é sinónimo de o mais saboroso. Por isso, talvez seja melhor juntar o útil ao agradável e escolher um itinerário mais ao sabor do espaço e do tempo. Mesmo que vá por mais longe, mesmo que demore mais tempo.

Saímos para as Beiras. Almoçamos no Colmeia, em Galegos, Guarda. Fazemos a digestão numa paragem na porta medieval de Trancoso, atravessamos a cidade e entramos na N331 em direcção à Meda, sempre à beira de calhaus,. Depois, rumo à famosa N222. 

Antes, paramos as motos na berma para olhar o horizonte, uma paisagem de vinha e olival, ponteada de amendoeiras. Vale a pena estender o olhar sobre as serras, a perder de vista, ondular a vista ao longo dos cumes. Depois, baixar a cabeça para o vale e escorregar os olhos pelos socalcos.

Despedimo-nos de um cãozito, que havia saído de uma quinta próxima, e não estranhara estarmos ali, e arrancamos para para a Horta, a hora e meia do destino final: Bragança. Até lá, há paisagem q.b. para reconhecer e descobrir, sobre piso bom, mais ou menos e pior.

Saímos de madrugada. Há que chegar antes das 9:30. Está frio e temos armários de curvas pela frente, na N222, depois rolamos estrada mais aberta pelo IP2, e entramos finalmente na A4. O Centro Empresarial Nerba fica numa das primeiras rotundas de Bragança.

É aí que o evento vai ter lugar. E já lá estão muitos. O parque de estacionamento, em frente da entrada, está repleto de motos. As nossas têm de ficar já na ponta. A do nosso nosso generoso provocador já lá está. É inscrever, beber um café e entrar.

No anfiteatro, já preenchido a dois terços, a atenção preparava-se. E as apresentações não tardam. Primeiro o agradecimento da organização e uma súmula do evento e, logo após, o relato da primeira viagem, protagonizada em português.

Foi Gracinda Ramos, a motociclista com o chapéu mais distinto do mundo, que nos levou a descobrir a pátria de Kandinsky, Maiakovski ou Dostoiévski, através do relato que apelidou “Passeando até à Rússia”, viagem sempre acompanhada pelo seu caderno de desenho e contada com um estilo muito pessoal como lhe é característico.

Seguiu-se Mariano Parellada, um motociclista espanhol, criador do Moto Club Turismo Valladolid e do Turismoto y La Leyenda Continúa, já galardoado com o “Premio Moto Turismo de Honor” do país vizinho. Brindou-nos com “Una Ruta por la China Profunda”, viagem que fez com mais 5 companheiros, e que envolveu até uma participação numa “espécie” de rali.

Da Europa à China, a manhã estava feita. Passou num instante. Ainda houve tempo para uma foto de grupo para a posteridade. Logo após, o cenário era o habitual: trepa para a moto, espera pelos companheiros, arranque para o local de almoço. 

À uma da tarde, era tempo de almoçar. Tínhamos 3 horas para o fazermos. A opção foi sair de Bragança, deslizar pela estrada, buscar um lugar tranquilo e saboroso, e andar entre o bacalhau e a posta.

O princípio da tarde foi dedicado à palestra de Sónia Barbosa, uma portuguesa de Aveiro e asturiana de adopção. Trabalha em Espanha, como condutora de autocarros, e já percorreu a Califórnia até Valdez, no Alaska. Depois, foi daqui à China, pelo Kirguistão e, de Vancouver a Nova Iorque, completou uma volta ao mundo de moto.

Foi com o seu inicio conturbado no mototurismo, das diversas aventuras que começaram na Península Ibérica, que a Sónia começou o relato de (ainda) uma curta vida, mas já com muitos quilómetros de viagens de moto, que apelidou de “La aventura de viajar en solitario por el mundo”.

O último palestrante foi António Rosado, outro compatriota de Moura que, após ter realizado várias viagens de moto pela velha Europa, decidiu partir para a Ásia, mais propriamente para Timor e, dali, seguir para o Canadá, continuar para o Alaska e, já agora, descer até Ushuaia. 

O fim da tarde aproximava-se e era preciso regressar à Horta, ainda de dia. Além disso, poder até, aproveitar a jornada para vadiar pelo caminho. Saímos antes do sorteio, que contemplava todos os inscritos no evento, de um livro de um reconhecido viajante de moto.

Deixámos Bragança ao frio. Quanto mais para baixo, melhor o tempo. Entramos na N222 e ainda é de dia. Nada melhor do que aproveitar o ocaso para entrar em Freixo de Numão, lugar onde deve ter existido um importante castro da Idade do Ferro.

Paramos no largo do pelourinho com o escudo de D. João V e varremos com o olhar a igreja matriz e algumas casas em pedra com varandas floridas e, mais ao fundo, um solar do século XVIII, hoje museu. A uma dúzia de passos, fica uma das casas judaicas, onde ainda se reconhece uma janela manuelina.

E o dia pareceu esticar-se mais do que estava previsto. Quando chegamos ao Quinita, um restaurante na N222, local habitual de paragem, quer de motociclistas quer de locais, ainda a noite não havia caído. Saímos para a Horta já de noite, mas o par de quilómetros para pernoita já não contava.

O regresso não teve estórias nem história. Diz o ditado que, “para baixo, todos os santos ajudam”.  E não é que ajudaram…? O tempo e o ritmo de andamento e, claro, as motos, também o fizeram. Por tal, a chegada foi à hora prevista. E, até lá estava uma “companheira” para nos acolher. 

Depois, foi a sorte a acontecer, como se não fosse a uma boa continuidade da jornada. O tal sorteio que envolvia os inscritos na conferência, teria como prémio um livro de viagens de moto. Imaginem que, antes de almoço estivemos à conversa com o autor, Ricardo Lugris. Agora, imaginem a quem "saiu" o "Montar e Partir". Isso mesmo! Com dedicatória e tudo!

Na despedida, os votos habituais para repetir o “ir”,  voltam a alimentar o gosto, a memória e os projectos, seguindo o ditame do poeta: “enquanto houver estrada pra andar, a gente vai continuar”.




domingo, 3 de março de 2024

Faraós

Já toda a gente ouviu falar do Egipto. Das pirâmides, do deserto, Vale do Nilo, múmias, Gizé, Esfinge, Luxor, hieróglifos, Menfis, altos e baixos relevos, Tebas, dinastias, Vale dos Reis, escribas, Abul-Simbel, Pedra de Roseta, Carnaque,  bigas, papiros, politeísmo, vasos canópicos, embalsamamento humano e animal, Livro dos Mortos, frontalidade da pintura e dos baixos e altos relevos, mastabas.

Mas não só. O desenvolvimento da medicina, a dimensão e a singularidade da arquitectura, os conhecimentos de física, astronomia e matemática, colocaram o Antigo Egipto na linha de evolução histórica científica mundial. São tudo referências que o ensino, as viagens e a cinematografia, entre outras actividades, tem evidenciado. E os Faraós? Incontornáveis e imprescindíveis, claro!

Também por isso, a Fundação Calouste Gulbenkian concebeu uma exposição dedicada. Intitulou-a Faraós Superstar, contou com peças únicas provenientes de diversas instituições nacionais e internacionais, mas também da colecção própria do núcleo museológico de arte egípcia, cujas peças adquiridas foram-no sob os conselhos técnicos do célebre Howard Carter.   

Os faraós andaram por lá desde cerca de 3200 a.C. Há mais de 5 mil anos, 5 milénios, tempo difícil de conceber na escala histórica. Há menos de 100, foi descoberto o túmulo de um dos mais célebres faraós, Tutankhamon. A dinastia Ptolomaica, reinou até ao ano 30 a.C., com Ptolemeu XV. Foram mais de 3 mil anos, durante os quais, o Egipto viveu sob o domínio deste nobres que, mais do que reis, assumiam um estatuto de deuses.


Queops, Quefren e Miquerinos foram alguns dos mais famosos, mais que não fosse pela relação que têm com as mais emblemáticas pirâmides, próximas da capital egípcia, Cairo. São estes três monumentos funerários, onde estão sepultados os três faraós, que mais surgem nos livros de história, nos filmes cinematográficos e como locais de visita turística. Aqui, são sobretudo as pirâmides que dominam, não tanto os faraós que aí foram sepultados.

Porém, os nomes de Nefertiti, Tutankhamon, Ramsés e Cleópatra surgem com alguma pertinência no nosso imaginário, adquirindo mesmo uma aura mítica. A figura do faraó, criada a partir do contexto de poder - quer teocrático, quer hereditário - dominava os aspectos económico, político, militar, e religioso, sendo este ultimo um dos mais singulares, já que, digamos, era também representado pela encarnação de um deus, habitualmente Horus (Deus do Sol). 

Mas há outros, não menos famosos. Hatchepsut, uma faraó feminina associada a um período de paz e económico, Tutmes II, um dos farós com mais conquistas militares, Amenhotep III, o faraó com maior número de esculturas, ou Akhenaton, por piores razões, uma vez que defendeu radicalmente o deus Aton (em alternativa a Horus). 


Mas não são apenas os testemunhos arcaicos faraónicos de milénios que estão em expostos. Há outros objectos ligados às representações medievais do tema, como sejam as iluminuras e as pinturas clássicas. E, ainda, obras pop ligadas à música ou às artes plásticas, além de referências publicitárias.


E, num lugar tão insuspeito como de destaque, até lá estava exposta uma Keops, de 175 cc, a dois tempos, uma moto francesa da década de 20 do século passado, não tão antiga como um faraó, mas que já conta com um século de existência.

A exposição chegou numa altura em que se comemoravam os 200 anos da decifração dos hieróglifos pelo francês Champollion, e os 100 anos da descoberta do túmulo de Tutankhamon pelo inglês Carter, que havia estabelecido um relação próxima, inclusivamente como consultor, com Calouste Gulbenkian.