quinta-feira, 29 de junho de 2023

GeraJazz no Museu do Dinheiro


Toda a gente já ouviu música de jazz. Muitos já assistiram a um concerto de jazz. Fazê-lo numa igreja, já não é tão comum. Paredes-meias com uma caixa-forte do Banco de Portugal, também é raro. No átrio do Museu do Dinheiro, seria a primeira vez. “Mais que Música, Tocamos Vidas”, o slogan da GeraJazz, também era motivador.

De Herbie Hancock a Nina Simone, de Jaco Pastorius a Art Blakey, a Gerajazz é composta de “malta nova”, alunos e intérpretes daquelas sonoridades, criada a partir de uma parceria entre a Orquestra Geração e a Escola de Jazz do Hot Clube. Com tal menu, por que não ir até à antiga igreja de S. Julião, ao átrio do Museu do Dinheiro, saborear um concerto desta Jazz Band?


Desta vez, entre outras, as propostas musicais iam de PeeWee Ellis a Bobby Timmons, de Cole Porter a Nat Adderley, sob a direcção do professor Daniel Neto, também intérprete. A acompanhá-lo, estavam mais 14 músicos, entre eles 2 cantoras de jazz, muito jovens mas com vozes que prometem.

Tal como os muitos solistas instrumentais que foram passando pelo palco do Museu do Dinheiro. Alguns dos arranjos são originais e o grupo funciona com uma harmonia constante. Nota-se a concentração dos músicos, a atenção no maestro e a alegria na interpretação. Bons momentos de jazz.

Através do ensino da música e dos diversos espectáculos que vão protagonizando, a GeraJazz, que faz parte do projecto sociopedagógico, Orquestra Geração, promove o desenvolvimento criativo de crianças e jovens, contribuindo para a sua evolução pessoal, social e escolar.


O que também contribuiu para o espectáculo, que esteve para além de um mero exercício académico, foi a grandiosidade do cenário da antiga igreja de São Julião, aliado á receita e aos ingredientes humanos: boas ideias, talento e prática. Mas, neste caso, melhor do que ler é ver e ouvir, vendo-os e ouvindo-os.



terça-feira, 20 de junho de 2023

Coleção Berardo: itinerário pela estética dos ismos




O mundo da arte acompanha o quotidiano. Mantém o clássico, reproduz o main stream, mas também inova, transferindo para as obras o pensamento estético do artista. Uma colecção de expressões.

A profusão da diversidade da arte possibilita, também, um vasto conjunto de alterações da função, da natureza e do conceito da obra de arte. Um mundo de possibilidades.



Essencialemente visual, a arte acompanha os grupos, os movimentos e as perspectivas de vanguarda. Bebe inspiração nas ideias, na História, na natureza, etc. Uma colecção de motivos.

Junta-lhe uma estética criativa, subjectiva, singular, pessoal, capaz de desafiar quem a cria, vê, comenta, compra, expõe. Um mundo de estímulos.

A Colecção Berardo contempla sobretudo o século XX. Esse percurso vai da arte moderna ao cubismo, do dadaismo ao surrealismo, do construtivismo ao neo-plasticismo. Uma parte da colecção.

Espiamos a Colecção desde sempre. A partir de 2015, com vontade e intensão de registar em fotografia e vídeo o espólio artístico. Até 2020, altura em que a retrospectiva se centrou em duas metades do século XX, lá estivemos a catalogar. Um mundo de memórias.

Enfim, um mundo de ismos, que não ficam por aqui, passam pela pop art, pelo novo realismo, espacialismo, o expressionismo abstracto. Uma colecção de ismos.

A diversidade dos ismos coincide com a multiplicidade de nomes de artistas que têm obras expostas, tais como Pablo Picasso, Andy Wharol, Salvador Dali, Jacques Villeglé, Cindy Sherman. Um mundo de artistas.

Mas, também, Salvador Dali, Donald Judd, Germaine Richier, Marcel Duchamp, Piet Mondrian, Joan Miró, Bruce Nauman, Francis Bacon, só para citar alguns. Um conjunto de criativos.

São mais de mil obras. Amedeo Modigliani, René Margritte, Amadeo Souza-Cardoso, Viera da Silva, Yves Klein, Roy Lichtenstein, David Hockney, também lá estão. Um mundo de autores.

Todos estão entre os artistas que fazem parte do espólio, espólio que contempla uma extensa, plural, coerente e agradável evolução das artes plásticas do séculos XX e princípio do século XXI. Uma colecção de décadas.

Andamos ao longo da pintura, das colagens, das montagens, da figuração, da escultura, do desenho. Mas sobretudo a deliciar a imaginação e o gosto, ao passar com o olhar nas texturas, nas formas, nas composições, nas cores. Um mundo de realces.

E, ainda, nas sombras, nos traços, nos materiais, nas arquitecturas, nas estranhezas, ponderações e demais explosões imaginativas e desconcertos criativos que as obras encerram e motivam. Uma colecção de singularidades.

Diz-se que a arte é uma poderosa forma de identificação de autoria humana, algo singular através da qual a humanidade se identifica, a par de outras actividades humanas, sobretudo da ciência e da literatura. Um mundo só nosso.

Cientistas, escritores e filósofos, p.e., deixaram um extenso legado cultural. A par, os artistas e as suas obras, para além dessa herança, deixam-nos, motivam-nos, prazenteiam-nos com novidade, beleza, ineditismo, imaginação e fantasia em modo estético. Uma colecção de prazeres.



 


sexta-feira, 16 de junho de 2023

À Noite, no Palácio. Leito de Aparato



Toda a gente conhece o Palácio de Sintra. Durante o dia tem muito brilho, muita luz. A fachada virada a sul ganha o sol por inteiro. Janelas e pátios distribuem-no pelo interior. À noite, porém, as sombras aproveitam-se das paredes, dos tectos e dos objectos. Em certos sítios, oculta coisas, em outros potencia a beleza de outras.

Sintra, Palácio da Vila. Acesso gratuito e uma noite de calor em Sintra como há poucas. Até havia lugar de estacionamento no parque do Rio do Porto, no fundo da Curva do Duche. Porém, a convidar a trepar as íngremes Escadinhas do Hospital. 


ALI, TUDO É PRECIOSO

O motivo - como se fosse necessário um para lá ir -, era mesmo uma novidade, um Leito de Aparato, uma cama do século XVII, peça rara, sendo esta a única em Portugal. Chegou da Casa Ducal de Cadaval. Custou 360 mil euros à Parques de Sintra. Sofreu intervenções de restauro durante 3 anos. 

Os objectos, o simbólico e a ostentação também andam de braço dado. Alguns objectos, quando ostentados pela elite, por vezes, mesmo pechisbeque, até passam por precisos. Porém, quando a qualidade e/ou o possuidor são expressivos, os objectos tornam-se símbolos de poder. 

E, neste casos, são mesmo valiosos. Valiosos, porque relevantes nos materiais – pau-preto de Moçambique e prata. Valiosos, porque marcantes em termos de utilização – rituais de passagem. Valiosos, em matéria simbólica – reforço de poder. 

Valiosos, ainda, pela identificação do elevado estatuto socioeconómico dos possuidores. Neste caso, a pertença às elites nobiliárias. Valiosos, por fim, devido à incorporação artística. O Leito de Aparato é um caso desses, uma peça de arte.


NATUREZA E SIMBÓLICO

Primeira busca: um tecto cheio de cisnes. Depois da escadaria lateral, abre-se o primeiro salão, o dos Cisnes, construído ainda no reinado de D. João I. No tecto, estão pintados 27 cisnes brancos, símbolos da virtude e da sinceridade. A arte, para além da natureza.

A colecção de azulejos. Nas paredes brilham azulejos, maioritariamente dos séculos 15 e 16, recuperados após os estragos provocados pelo terramoto de 1775. A azulejaria do palácio é, aliás, uma referência, sobretudo a colecção de azulejos hispano-árabes.

Notória, colorida, exclusiva e diversa, a azulejaria do palácio tem na Capela Palatina e no quarto onde Afonso VI esteve preso – o tal cujo piso, dizem, está desgastado pelos passos do prisioneiro -, dois dos pavimentos hispano-mouriscos mais antigos portugueses. Mas não só.

A Sala das Pegas, outro espaço ligado ao simbólico – diz-se das conversas conspirativas e de maldizer da corte, ou que a menção “por bem” está ligada a uma infidelidade do rei -, estão retratadas neste tecto. Nas paredes, o padrão de azulejos é excelente.

A Sala das Sereias mantém o ambiente decorativo simbólico ligado aos Descobrimentos e à poética camoniana. Diz-se que numa das varandas do palácio, D. Sebastião ouviu pela primeira vez a narrativa dos Lusíadas. O quarto deste rei também está decorado com azulejos do século XVII, notáveis pelos motivos de parras em relevo. 


Da Sala dos Brasões ao Pátio Central, passando ainda pela Capela do palácio e pela belíssima Sala Árabe, estão sempre presentes. Da flor de lis à esfera armilar, a azulejaria passa também pelos motivos geométricos, vegetalistas, encordoados e laçarias.  

A arte da azulejaria não espelha apenas a questão estética. Especialmente o revestimento monumental das paredes, funde também estilos, árabes, portugueses e hispânicos que, neste palácio, valoriza de forma distinta os espaços decorados.


Além do estético, também o simbólico está presente um pouco por todo o palácio. Da Sala das Sereias à deslumbrante Sala dos Brasões, passando pela Capela Palatina e até mesmo pela cozinha, os elementos simbólicos estão patentes em diversos elementos decorativos. 


Sereias, brasões, serpente alada, escudo de armas e pombas. Os salões e a capela com profusa decoração simbólica. As sereias e o apologético lusitano, os brasões e o poder dos barões, a serpente alada e a Ordem de Aviz, o escudo de armas e as alianças políticas de Portugal e Saboia, as pombas e o Espírito Santo. 


AMBIENTE E SOFISTICAÇÃO  


O Pátio Central é um espaço emblemático, estético e ambiental. É, também, tecnicamente sofisticado.  Privilegiado pelo rei João I como pátio dos seus aposentos, testemunho da tradição arquitectónica árabe, é agradável, fresco, intimista e rico em azulejaria.

A sofisticação está patente na Gruta dos Banhos. Além dos motivos decorativos representados nos azulejos – temas mitológicos, as quatro estações e a Criação do Mundo –, é um engenhoso sistema de duche de água constituído por duas filas de pequenos repuxos.

Aproveitar a noite para recordar e/ou saber do passado. É, também para isso, que os palácios existem. Para nos mostrar o anterior, alimentar a curiosidade, oferecer um detalhe ou um cenário, espantar-nos. Ajuda a manter o passado, a perceber o presente e, por vezes, a antever o futuro.