terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Falésias do Atlântico

Última semana de Janeiro. Um nova proposta do Fernando Brioso. Partida da Ericeira, 10 quilómetros, nível de dificuldade baixo. Saída às 10 da manhã, regresso previsto para as 3 da tarde.
Juntámo-nos á volta da capela de S. Sebastião, um mártir cristão do século III dC, acompanhados de mais de cem caminhantes. Há estacionamento suficiente e a ermida é interessante. Estava frio, mas o sol brilhava. Saímos após os habituais alvitres básicos.
 
A dois passos, na direção norte, fica o forte de S. Pedro, velho bastião de controlo da pirataria que assolava aquela zona. Está velho, a cair, como muitos que não resistiram a tanta piratagem, à passagem do tempo e à indiferença dos poderes.
 
É cedo, está frio e apetece manter um ritmo vivo para não deixar esfriar o corpo. A alma, por seu lado, vai-se entretendo com a paisagem, mesclada com os azuis do céu e os esverdeados do mar a poente, e com os brancos e cor de tijolo das casas a nascente.
 
Mais à frente, fica Ribeira d’ Ilhas, a famosa praia de surfistas da Ericeira. O acesso faz-se por uma escada em madeira, mais escorregadia do que a espuma que os surfistas trilham. Alguns resvalam e outros escorregam, mas não caem. Ainda outros, não têm tanta sorte. Mas não há baixas.
 
Depois, foi a passagem a vau da ribeira, sobre um trilho de pedras. Alguma expectativa quanto ao desempenho, não foi além de uma sola molhada e de um ou outro desequilíbrio. Foi aí que uma colega de faculdade me reconheceu, 20 anos depois de termos acabado o curso. Estamos na mesma. Trocamos novidades e continuamos.
 
Vencemos a moleza da areia como se tivéssemos quatro pernas motrizes. Há cada vez mais água da chuva acumulada em poças. A lama passa a cobrir parte das botas. Progredimos pela areia ao longo da margem direita da ribeira. Daí a nada estávamos a atravessar a estrada e a seguirmos campo fora.
 
A escassa vegetação costeira dá lugar aos legumes e cereais. A silhueta do horizonte é agora mais bucólica. O vento amainou, o sol afastou-se das nuvens, a humidade baixou. Adiante, os cães ladram, passa uma carroça e estuda-se a origem de um velho sidecar.
 
O ambiente volta a um misto urbano-rural, com grandes quintas, terrenos de cultura ou pequenas casas junto ao caminho. Ou espaços mais largos onde a energia eólica marcava presença. 
Pouco depois, é a alva Ribamar que surge. Mais à frente, nada a propósito, aparece a indicação da Praia dos Coxos. Aparentemente, não é piada para nós. Aliás, há por ali bastantes referências ao surf...
Petiscámos na vizinhança, cravados nas arribas a olhar o mar como gaivotas. Apetecia estar ao sol, protegidos pelas rochas. A pão e água alimentámos o corpo e, ao espírito, bastou virá-lo para o mar.
 
É pela falésia que continuamos, com o olhar de braço dado com o mar, com as enseadas pedregosas, com praias exíguas de acesso difícil. Serpenteámos pela vegetação rasteira, a espreitar as ondas, pelas poças lamacentas, sempre a estender a vista ao mar, evitando as rochas mais salientes, a repartir o olhar pelas vagas.
 
Paramos ante um ribeiro tímido, escondido por canas e vegetação rasteira. Parece ser fácil transpô-lo, apenas um ligeiro sobe-e-desce, mas as primeiras passagens são tiritantes. A prudência sugeriu algum auxílio suplementar na travessia. Passámos todos sem quedas.
Mas não escapámos de voltar a passar a Ribeira D’Ilhas a vau. Surgiu de novo a expectativa de um ou outro desequilíbrio, gorada entretanto pelo excelente desempenho geral.
Também não conseguimos delegar a subida da escada de madeira que havíamos descido há algumas horas. E lá fomos, em turnos, com uma ou outra paragem. No cimo, já se percebiam sensações de triunfo na maioria dos rostos. Faltava pouco.
 
Agora era calcorrear o lajeado que leva à vila, à vista do forte de S. José, já ofuscado pela luz do mar. O céu toldava-se quanto mais perto estávamos do lugar de partida. Aí, começou a chover, com pingas grossas e frias. Mesmo a tempo!
Música: Antony Raijekov, When Waves Trying to Catch a Marvel