quarta-feira, 18 de junho de 2025

Na Lapa de Santa Margarida



Ver, não se vê. Ou melhor, vê-se mal, mesmo olhando desde o mar. Chegar lá, não é fácil. Sobretudo, a partir da estrada. Estamos na Arrábida, envoltos numa vegetação de plantas baixas e arbustivas, ou seja, dentro de um matagal de arbustos e árvores de pequeno porte. Há trilho, mas é estreito, irregular e pedregoso. Mas faz-se: desviam-se ramos, descem-se alguns degraus, trepa-se um murete, evitam-se alguns calhaus. 

 Para lá, para a lapa, ou seja, para um abrigo natural protegido por um rochedo, é a descer. Quando o mar se vislumbra, o trilho estreita ainda mais, mas já não há vegetação a dificultar o caminho. Este, agora, vai junto à falésia. Estamos alto, a paisagem é excelente. Há barcos ao largo e já se vê Troia.

Além da vegetação baixa e densa, há muitos cactos. E estão muito perto do trilho. São bonitos, mas é preciso atenção., até porque, já perto da gruta aparece uma indicação, em pedra, onde está escrito, "caminho particular". Continuamos até uma pequena plataforma que dá acesso à lapa. Há escadas a descer. 

Vamos por um túnel largo e o espaço em baixo, embora não se veja muito bem - o contraste luz/escuridão é significativo -, percebe-se que se alarga para gruta. A lapa fica sobre o mar, pouco acima do Atlântico. A gruta é natural, decorrente da erosão provocada sobretudo pelo batimento das ondas. 


Há ali 20 metros de largo e cerca de 5 metros de altura, espaço que se abre para o mar através de duas aberturas na rocha. Depois da habituação da vista à (pouca) luz existente, percebe-se a existência de um altar e vários espaços cavados na rocha, com adereços religiosos, dando ideia de que se trata de uma capela. A luz reflecte-se nas rochas molhadas pelas ondas, o que possibilita ver-se melhor.


Estima-se que a capela tenha sido construída nos séculos XVII / XVIII. Por trás do altar surge uma estrutura decorativa, com pilares e arcos, também com um pequeno altar na base, preenchida essencialmente com figuras religiosas. Mas também lá há um pouco de tudo do que costuma aparecer em lugares de cultos exotéricos: velas, fotografias, crucifixos, anéis, súplicas manuscritas, jarras com flores, pulseiras, etc.


Além de algumas lendas associadas, diz-se popularmente que a gruta foi tida como padroeira das mulheres grávidas, relacionando a possível relação entre a cavidade naturale os órgãos reprodutores femininos. Mas o lugar é fascinante, nem só pela originalidade e simbolismo. 


O desafio do percurso e da descoberta, ajudadados pela deslumbrante paisagem das falésias da Arrábida, valem bem o desgaste da descida e da subida, o esforço em proteger o corpo dos ramos e das pedras do caminho.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Quinta da Arealva, uma ruína

 


Há um não-sei-quê de fascinante nas ruínas. Sejam elas de antigos castelos, baterias de costa ou, pura e simplesmente, edifícios. A Quinta da Arealva é um caso desses.  Está entre o cais do Ginjal e praticamente aos pés do Cristo Rei e fica na continuidade do Cais do Olho de Boi. 

Trata-se de uma uma antiga propriedade agrícola dedicada à produção de vinho. Tem vários acessos: desde o Ginjal, desde o Cristo Rei ou desde o Museu Naval. Eu optei por descer para o Cais do Olho de Boi.

Estacionei junto de uma antiga fábrica conserveira e perguntei a uma senhora que estav na proximidade se bastava seguir em frente. “Sim, é sempre em frente, passa o portão e precisa ter cuidade, isso está muito estragado!”, disse, com ar conhecedor.

Ultrapasso o portão e fico com a falésia à esquerda e o Tejo à direita. Dou os “bons dias” a quem me pareceu sair de uma pequena casa, degradada, e continuo. Daí a pouco, já estou à vista de um conjunto de edifícos em ruínas.

A vista para Lisboa, e não só, é deslumbrante. Vai quase até Cascais. A ponte 25 de Abril está ali quase em cima dos olhos. Alcântara parece estar a dois passos. Mas as ruínas estão muito degradadas.

Há grafitos por todo o lado e as madeiras há muito que mal suportam chão e telhas. É perigoso aceder ao interior dos edifícios. Mais abaixo, percebe-se a existência de uma espécie de eira em cimento, vasta mas também degradada.

Em certos sítios, a vegetação tomou conta do chão ao telhado, quando o há.  Alguns soalhos já ruiram e mostrama existência de caves. Há um miradouro, quase ttalmente coberto por vegetação. 

Pelo que consta, esta antiga proriedade, incluia diversos edifícios. Um palácio, armazéns, tanoarias, cais fluvial, estaleiro, residências e uma ponte. Algumas construções datam do século XVIII e seguem o estilo pombalino.

A quinta teve origem no Forte da Pipa, construído no século XVII como parte do sistema de defesa do Rio Tejo. Abandonado no final do século XVIII, o forte foi transformado em residência e centro de produção vinícola. 

A propriedade tornou-se importante na região e chegou a ser habitada pelo nobre irlandês João O'Neill, que mandou construir uma capela dedicada a São João Baptista. Já durante o século XIX, a quinta foi integrada na Sociedade Vinícola Sul de Portugal.

Mais tarde, o complexo foi abandonado, vandalizado e sofreu um incêndio, ficando em ruínas no início do século XXI. Há uma década, ainda acolheu festivais de música eletrónica. 

Quando saí, voltei a encontrar a mesma senhora que me havia indicado o acesso à antiga quinta. É uma moradora, vizinha do complexo. Queixa-se do abandono do local, onde a polícia não passa, e que já foi alvo de furtos.

Resumiu a estória do complexo e sabia que, nos últimos anos, apesar de terem surgido diversos interessados em avançar com projectos, nenhum se realizou.  Actualmente sabe que há um grupo económico interessado em toda a área que vai do Ginjal ao sopé do Cristo Rei.

Será desta?

Este lado do rio, junto à margem, pouco sol recebe. Havia muita humidade na estrada o que para as duas rodas não é muito tranquilo. Porém, quer o panorama que se vislumbra na subida /descida, bem como a singularidade do lugar valem a visita. Enquanto não for um complexo hoteleiro de topo…