Batalha e
Aljubarrota, uma noite de fados e um passeio pela Estrada Atlântica. A História juntava-se à
Tradição e à Natureza. Era essa a proposta para o último fim-de-semana de um
Setembro que se manteve tão cálido. A cereja em cima do bolo era podermos
fazê-lo de moto.
Mas, nesta manhã
de sábado, o sol perdeu a batalha contra o lado negro do céu. O império das
sombras lançou nevoeiro pelo litoral de modo a encobrir o modo de viver
nacional que se vangloria e alimenta de céu plenamente limpo e azulado. Mais.
Como se não bastasse a névoa, a humidade ia-se transformando em chuva.
Hotel Eurosol, Leiria |
DE
LEIRIA À BATALHA
Saímos
do hotel em Leiria pouco depois de já estarmos para lá da hora de saída. A fila
de motos estava mais esticada do que é habitual. Para tanto contribuía a
presença dos convidados dos organizadores, Mariano e Aires, bem como do
regresso de alguns ausentes dos últimos Passeios e de outros que já não punham
cá as luvas há mais de uma década.
A
caravana de motos estava mais heterogénea do que é costume. Contávamos agora
com modelos (melhor) preparados para andar fora de estrada e com as GTs do
momento.
Hondas e BMWs dominavam, mas havia ainda uma scooter daquelas que se estacionam em qualquer sítio.
Hondas e BMWs dominavam, mas havia ainda uma scooter daquelas que se estacionam em qualquer sítio.
Estava
muita gente da Trofa, de Coimbra e de Leiria. Pouca de Lisboa, do Porto, do
Algarve, de Famalicão, de Torres, de Aveiro, etc.
Mas também havia novidades. O Fernando e a Cristina voltaram após alguns anos de ausência, bem como o Luís Gonzaga que já levava quase uma quinzena de afastamento.
Mas também havia novidades. O Fernando e a Cristina voltaram após alguns anos de ausência, bem como o Luís Gonzaga que já levava quase uma quinzena de afastamento.
Voltámos
a contar com um contingente internacional que integrava o Bernard, o Jean
Turpiano e a Ghislaine, que continuam a vir de moto desde França.
Contamos ainda com a participação do Pedro e da mulher, de Puerto de Santa Maria, amigos do Jorge Cunha.
Contamos ainda com a participação do Pedro e da mulher, de Puerto de Santa Maria, amigos do Jorge Cunha.
Saímos
sem chuva mas quase sob as trevas de um grupo de nuvens com cores opacas e
aspecto sinistro. À chegada à Batalha, onde o sol já brilhava, as motos ficaram
bem perto umas das outras, todas alinhadas, num estacionamento privativo e
vedado, situado em frente do restaurante onde iríamos almoçar.
Se, por um lado, a batalha de Aljubarrota nos alimenta aquela sensação de golear eternamente Espanha, o mosteiro leva-nos à infância, à viagem no banco de trás do carro ou à camioneta de excursão. Se não, na nossa meninice liceal era inevitável não ir à Batalha, ao Mosteiro da Batalha.
O Condestável ainda acompanha a Batalha |
Localizada sensivelmente
a meio-caminho entre Lisboa e Porto, era e é um monumento notório, atractivo e
artístico. Tinha um significativo peso histórico-político (ainda tem, não tem?)
e fazia parte (ainda fará? deve fazer….?) do imaginário popular no que respeita
à independência e à liberdade.
Já todos fomos à
Batalha. E continuamos a ir. O sítio é simpático, o monumento é cativante, o
ambiente é cosmopolita. À primeira vista, a Batalha é (também) isso. Mas é de
certeza muito mais, para quem gosta de história, sobretudo história de arte,
arquitectura, até de engenharia, ou para quem vá apenas pela estética ou mesmo
pelo passeio.
Desde o escultórico portal de entrada da igreja, à solenidade da Sala do Capítulo, à verticalidade da nave central, ao colorido dos vitrais, ao rendilhado e monumentalidade das Capelas Inacabadas, o mosteiro de Santa Maria da Vitória, conhecido como da Batalha, ressuma época e beleza.
Detalhe do portal |
Depois, entrámos no átrio da igreja, adaptamo-nos à mudança de luz e fomos imediatamente recebidos pela elegância e vigor do gótico, onde até a fraca luminosidade nos convida à contemplação, enquanto pisamos a campa do mestre Mateus Fernandes, um dos arquitectos da Batalha.
Passamos à Capela
do Fundador e moldámos os olhos de novo à alvura do espaço e aquela claridade
translúcida arrojada das janelas estreitas com vitrais. Ali estão sepultados
D. João I e Filipa de Lencastre. Este mausoléu contempla ainda os túmulos dos
seus filhos, a chamada Ínclita Geração, e dos réis Afonso VI e João II. Um
panteão real.
Internamo-nos de novo no corpo central da igreja, onde decorria um casamento, e fomos observando no chão das naves laterais um enxameado de marcas dos pedreiros que as construíram. São marcas que se estendem, por exemplo, ao Claustro Real.
Internamo-nos de novo no corpo central da igreja, onde decorria um casamento, e fomos observando no chão das naves laterais um enxameado de marcas dos pedreiros que as construíram. São marcas que se estendem, por exemplo, ao Claustro Real.
No Claustro Real |
Continuamos a
pisar túmulos até chegarmos à porta ogival da Sala do Capítulo. Há muitas datas
de morte gravadas no chão de pedra. A mais famosa parece ser a que corresponde
ao túmulo de um cronista italiano e que testemunha, “aqui jaz dom justo bispo
que foi de cepta”.
Porém, quando
levantamos os olhos para a galeria surgem as imponentes arcadas ogivais, decoradas
com rendilhados de motivos vegetais, cruzes de Cristo e esferas armilares,
harmonizando de novo o gótico e o manuelino formando excepcionais véus de
pedra.
Nervuras ogivais |
Entramos na Sala do Capítulo, salão nobre do mosteiro e palco de assembleias monásticas, cuja grandeza se percebe na abóbada estrelada que parece pairar por cima de nós. É célebre a lenda da abóbada, sob a qual o seu arquitecto, Afonso Domingues, permaneceu para garantir que não caía.
No imponente salão
quadrado, além de um tríptico de vitrais excelentes datados do século XVI que
parece um retábulo, está instalado o monumento ao Soldado Desconhecido, uma
campa rasa guardada permanentemente por sentinelas.
Portal da Sala do Capítulo |
Lavatório dos Dominicanos |
Até aqui, o gótico nos vai-nos esmagando e maravilhando quando se abrem grandes espaços depois de enormes aberturas, se elevam cada vez mais as suaves abóbadas, quando as gárgulas se impõem no topo das paredes, os arcos ogivais e a finura das janelas nos elevam os olhos ao céu.
Quando o manuelino o esplendor manifesta-se então no detalhe do rendilhado e a intensidade dos motivos decorativos vegetais e marítimos, a profusão dos símbolos reais (a cruz de Cristo e a esfera armilar), as (novas) nervuras que suportam os arcos ogivais mais complexos e arrojados, os arcos de volta perfeita e as colunas de estilo greco-romano das Capelas Imperfeitas.
É nas Capelas
Imperfeitas ou Inacabadas que a arquitectura do mosteiro nos volta a
impressionar. A altura esmaga, a planta surpreende, os detalhes deslumbram.
Entramos pelo portal quinhentista de 15 metros de altura, revestido por um
rendilhado primoroso de troncos, ramos e folhas e percebemos a planta
octogonal, em que cada lado é ocupado por uma capela.
A iniciativa da
construção deste espaço deveu-se ao rei D. Duarte, sepultado no túmulo da
capela que fica em frente do portal. As restantes capelas destinavam-se a
receber outros monarcas ficando o espaço como outro mausoléu real.
Nota-se que a
delicadeza do gótico vai dando lugar ao que também foi apelidado de
renascentista, uma recuperação estilizada da arquitectura greco-romana, com
colunas portentosas agora trabalhadas com a filigrana do gótico.
Saímos lentamente
ao ritmo do sol e continuamos no mesmo compasso na esplanada do restaurante, já
acompanhados por um lado de um espumante suave do Douro ou um ameno Porto
tónico e, do outro, pelo parque de estacionamento privativo do Clube.
O tempo aquecera
mesmo a tempo. Por tal, a esplanada encheu-se rapidamente. A vista era luxuosa:
primeiro as motos alinhadas no estacionamento privativo, depois a estátua
equestre do Condestável e finalmente o Mosteiro da Batalha em fundo.
Embora a
temperatura aconselhasse a ficar, avançamos para o restaurante do hotel Mestre
Afonso Henriques para degustar um excelente Bacalhau à Portuguesa. Fomos
ficando como é habitual nas também já habituais actualizações do ambiente motociclístico.
Esta tarde
tínhamos tempo, muito tempo para ir da Batalha a Aljubarrota, de Aljubarrota ao
castelo de Leiria, do castelo ao hotel. Tudo ficava perto, o tempo continuava
ameno e a tarde prometia passeio e conhecimento.
O Centro de
Interpretação da Batalha de Aljubarrota não fica longe. É relativamente recente
- tem uma dúzia de anos – e pretende ser protagonista da recuperação e
valorização do campo de São Jorge, local onde se deu a famosa batalha entre os
dois Joãos, o de Portugal e o de Castela.
Exército em repouso |
Hoje, o terreno
tem uma configuração relativamente diferente de há seiscentos anos. Nessa
altura, o local onde o exército português se encontrava estava melhor defendido
pelo relevo. Ainda se nota que a colina teria uma posição estratégica
favorável.
Dispositivos para observação da configuração do terreno da batalha |
Além dessa
condição, determinada pelas linhas de água e pelos barrancos, os portugueses desta altura já eram
exímios em complicar avanços e dificultar progressões. Desta feita, as pequenas
fortificações, as armadilhas (tocas de lobo, lembram-se de Elvas?), os fossos,
foram capitais no desfecho da batalha.
Pena que não se visitem – nem sequer sei se foram preservadas – as covas de lobo e os fossos descobertos na década de 60 do século passado e que comprovam o reforço da protecção dos flancos do exército português. Talvez seja possível numa visita mais completa.
Capela de São Jorge |
Ficamos no entanto com muita informação sobre o posicionamento das forças em confronto, co detalhe do posicionamento dos arqueiros, dos lanceiros, da progressão da cavalaria, da colocação das peças de artilharia, dos avanços e recuos durante a batalha.
Passámos ainda pela capela de São Jorge, mandada construir por Nuno Alvares Pereira, na última década do século mas que hoje pouco tem de interessante a não ser uma porta em arco quebrado nas traseiras, onde fica a capela original.
Regressámos ao
edifício do Centro de Interpretação para nos instalarmos no auditório e assistir a uma reconstituição ficcionada em vídeo dos antecedentes e da batalha
de Aljubarrota. À saída, passámos por um pequeno espaço museológico que encerra
alguns objectos relacionados com o evento.
Regressámos
a Leiria, atravessámos a cidade e trepámos até ao castelo. Estacionámos onde
foi possível, uns ainda junto das habitações, outros já na ladeira que antecede
o portão do castelo. Outros ainda ficaram praticamente em frente da casa onde o
nosso anfitrião, Carlos Mariano, passou a sua infância.
Nas ameias das muralhas do castelo de Leiria |
Aposentos do Paço de D. João I |
Na torre de menagem, local mais elevado do castelo, está exposta uma pequena colecção de artefactos medievais, contemplando elmos, cotas de malha e armas. É possível aceder ao topo da torre através de uma escada de madeira. Lá em cima é só preciso ter atenção à praga de formigas de asa…
Interior da igreja de Santa Maria, dentro do castelo |
É a dinastia de Avis que escolhe este castelo como referência emblemática do seu poder. O Paço de D. João I, sobretudo aquele alpendre com arcaria gótica e vista excelente sobre a cidade, é exemplar do rigor e da estética que se impõe sobre a muralha que lhe serve de suporte.
Peças da colecção museológica |
Panorama desde as ameias |
Situado numa
posição estratégica, de onde se vê tudo em redor, protegido de um dos lados por
uma escarpa íngreme e pedregosa, é possível até assistir a uma perícia
automóvel com clássicos e ouvir o roncar dos motores nas ameias como se
estivéssemos em pista…
Voltámos ao hotel
e estacionámos as motos na garagem. Antes de subirmos ao oitavo andar para
jantarmos, ainda passámos pelo wine bar para dar dois dedos de conversa e
acabar com o stock de Gin, escasso para uma situação em que o hotel parecia
estar completamente preenchido.
Pena foi que a
noite estivesse chuvosa e o céu enevoado e, do restaurante do hotel, o “Varanda
de Leiria”, não se conseguisse ver grande coisa através dos vidros. Porém, o
programa previsto para a noite ultrapassava essa particularidade.
Exceptuando nós,
que também somos uns belos artistas, há muito que o Clube não assistia a um
espectáculo que valeu todo aquele fim de noite. E acreditem que havia ali
pessoas que não ouvem um fado gravado há milhares de anos! Ao vivo, todavia,
não há maneira de contornar aquele ambiente.
Parece até que uma
qualquer predisposição nos leva os sentidos para as violas, para as guitarras,
para a voz da fadista. Claro está que a apresentação dos músicos e da fadista
pelo Carlos Mariano também leva a essa encantamento que uma sereia da Ilha dos
Amores não faria melhor.
Por tal, quando o
mestre António Parreira, https://www.youtube.com/watch?v=bdEmX-XvK4g,
o Ricardo Parreira, https://www.youtube.com/watch?v=RFCRXmyUVNA e o Marco
Oliveira, https://www.youtube.com/watch?v=kYjMr1PGGnM,
atacam as guitarras e as violas, o ambiente fica por conta deles, sobretudo
quando a Vânia Conde, https://www.youtube.com/watch?v=FBriCoeIqkc,
enche a sala com a sua voz.
Julgo que todos
ficamos bem surpreendidos. Passámos por tanto uma noite admirável com
excelentes músicos e uma voz cativante. Talvez por isso, e como manda a
tradição, tenhamos ouvido o espectáculo em perfeito silêncio, com o deleite tal
que (quase) podia ter ultrapassado o passeio do dia seguinte.
Foi outro ponto
alto da jornada. Contrastando com os escassos quilómetros que tínhamos
percorrido no dia anterior, a proposta de irmos pela zona litoral privilegiou o
ambiente natural da costa oeste. Foram cerca de 40 quilómetros praticamente
acompanhados pelo mar. E não só.
À saída do hotel, uma scooter e uma GS conduzidas por mulheres |
Saímos de Leiria
com o tempo enevoado, passámos por um grupo de “cinquentas” e parámos para
reabastecer. Já havia mais motos no grupo pertencentes aos amigos do Carlos e
do Aires, onde se incluía uma GS pilotada por uma rapariga que não devia ter
muito mais do que metro e meio.
Praia de Pedrógão |
Se até à praia de
Pedrógão, nem a estrada nem o campo consegue cativar, depois tudo muda. O piso
torna o rodar suave e a paisagem vai-nos seduzindo. A praia, a falésia, o
pinhal, uma urbanização de férias, uma pequena localidade, mais estrada, pinhal
e mar.
Momentos de descontracção em Pedrogão |
A caminho do faro da Nazaré, e do forte de S. Miguel mandado construir na época de D. Sebastião |
São Pedro de Moel e o Sítio da Nazaré são dois desses locais fascinantes. O primeiro com acesso, à praia através do centro que está envolvido pelo casario que trepa a falésia, e o segundo pela riqueza do património – museu e igreja – e ainda pelo acesso ao famoso “canhão da Nazaré”, local mítico do surf em Portugal.
No restaurante "Selva do Lena" |
Fizemo-lo à boleia
do Grande Prémio de Aragão, que terminou quando nos sentámos para almoçar.
Fomos comendo lentamente como é habitual, com vista para o jardim, e só terminámos o lombo com castanhas já ia para lá das quatro da tarde.
Vídeo do passeio em,
https://vimeo.com/191204086
Vídeo do passeio em,
https://vimeo.com/191204086