terça-feira, 26 de julho de 2011

Centro Para o Desconhecido

Denomina-se Centro de Investigação para o Desconhecido. A obra destina-se à investigação em neurociências e oncologia, bem como ao tratamento de doentes no campo da biomedicina. O espaço, mas sobretudo a arquitectura, surpreende e provoca.
O projecto do arquitecto indiano Charles Correa parece um barco, especialmente se visto do rio ou da outra margem. Tem chaminés, amuradas, muitas vigias, proa, popa, convés, tudo à beira (ou sobre) o rio.
Está situado entre a Docapesca e a Torre de Belém, em Pedrouços, Lisboa. A proximidade com o mar, com a Torre e com o monumento aos Descobrimentos, deve ter sido charneira para o nome “Investigação para o Desconhecido”, numa clara alusão ao empenho e à descoberta que se deseja empreender naquele lugar.
Apesar dos muros que envolvem o complexo, o exterior tem espaços abertos e luminosos, um anfiteatro, um miradouro, um lago e um restaurante virados para o Tejo numa atraente unidade plástica.
Para quem por lá passa, com o olhar benevolente e conciliador de um entusiasta de arquitectura, pode não perceber a dimensão da obra sobretudo face a Belém e face ao rio, ou seja, face aos espaços vizinhos
Há muros extensos, a sugerir privacidade, separação. Mas são claros, luminosos e não são muito altos. Separam, mas não afastam, antes criam espaços de circulação e inventam átrios, passagens ou simplesmente lugares para estar.
Parece existir uma estreita relação entre o interior e o exterior – muito vidro, de grande dimensão – mas também se evidencia uma grande relação com o céu – através das zonas sem tecto opaco. Rio, margens e céu parecem estar muito próximos. Curiosamente, não senti grande ligação entre o exterior e o interior. Este último parece bem "defendido"...
Mas são as vigias que mais surpreendem. Pela dimensão dos vidros, sobretudo, com muitos metros quadrados. Mas também pelo estilo, pelas formas ovalizadas, elípticas, pelas assimetrias, pelos traços longos.

Os números podem também não dar a entender a ocupação que se faz daquele espaço: 50/60 mil metros quadrados (li as duas versões na comunicação social), 4 andares, 20 metros de altura. É uma envergadura de respeito.
É que, visto do rio e enquadrado com a Torre de Belém, o resultado não é muito simpático, especialmente para a Torre de Belém, nem para o espaço que oculta a norte. É um grande barco alvo permanentemente ancorado no Tejo. Ver esta perspectiva em http://afonsoloureiro.net/blog/?p=5272
No entanto, a ligação à margem do rio ficou salvaguardada com uma área pedonal e as zonas adjacentes ao edifício foram ajardinadas. Há uma pluralidade de perspectivas cativantes e a maioria dos materiais é cativante (embora a pedra já esteja também no CCB...).
Contudo, a volumetria, de alguns ângulos, ocultam o rio, escondem o casario ribeirinho, encobrem temporariamente alguns monumentos. Por outro lado, há sítios onde a altura favorece o panorama e perspectivas que fascinam. Não há como ir lá espreitar.


Mais sobre o Complexo, sobretudo em fotografia, em
http://lisboasos.blogspot.com/2011/03/champalimaud-centre-for-unknown.html
ou, a seguir,aqui no vídeo (ver na dimensão presente)
Música - Juan & Mary, Fantasia

Festival Islâmico de Mértola 2011

O tempo estava quente, tal como na última edição. Nessa ocasião, a meio da tarde, numa das ruas de maior fluxo de visitantes, fiquei momentaneamente represado, devido à exagerada torrente humana que entupiu a rua. Foram dois ou três minutos, durante os quais, nem para a frente, nem para trás. Dois anos depois, o ambiente estava mais calmo. 
Este ano, o frenesim era menor por entre as ruas mais antigas do burgo medieval. Havia menos visitantes, menos comerciantes, menor variedade de produtos, menos serviços sobretudo de restauração. Andava-se melhor, apesar daquele piso duro e irregular em parelelos de basalto dar cabo dos pés.
Os mercadores eram sobretudo espanhóis. Os outros, era gente da terra que comerciava refrescos, bolos ou pequenas generalidades. Havia menos árabes, menos mercadorias do norte de África. Alguns produtos de maior dimensão ou peso – barros e ferros, sobretudo – não estavam ou eram raros.
Os restaurantes no interior da muralha estavam lotados. A meio da tarde, já se reservava. A hora de jantar de sábado obrigou muita gente a ficar nas filas de espera. Jantou-se em pé, sentado, encostado, e até deitado. A horas a que ninguém ligou.
Estava diferente também o tecido humano que trilhava as ruas. A meio da tarde eram sobretudos as famílias e os mais idosos que passavam. A malta nova só apareceu próximo do jantar. Notava-se também que a classe média-alta estava presente em peso. E muitos espanhóis.
Mas havia a mesma animação de anos anteriores. A música ouvia-se mais acima ou mais abaixo, dentro ou fora das casas. O colorido dos panos que asseguravam sombra às ruas, bem como a diversidade de cor dos produtos nas bancas, das roupas das pessoas, voltavam a contrastar com as paredes alvas dos edifícios.
Enquanto as andorinhas esvoaçam em redor da Torre do Relógio, andavam músicos  itinerantes pelo recinto, vendia-se doçaria marroquina, especiarias espanholas, tocava-se música sufi num primeiro andar, onde havia uma exposição de violas campaniças.
Todos os monumentos estavam abertos, uns com entrada gratuita, outros não. No castelo e nas escavações próximas cobrava-se bilhete, mas não se pagava nas diversas dependências do Museu de Mértola. Com a noite, chega mais gente e os que andam a bisbilhotar museus, a livraria ou as lojas tradicionais vêm para a rua.

Acampava-se junto ao rio, a guardar lugar para os espectáculos da noite ou assistir ao pôr do sol por trás da vila. Andava-se de banca em banca sob os panos coloridos, ao abrigo do sol. Tomava-se chá à sombra de uma tenda árabe junto às muralhas do castelo, a olhar a igreja, antiga mesquita.
Aí, no reino do chá, também era feudo o descanso e o desfrutar de uma paisagem que conjugava o branco das casas os verdes do campo e do rio. E a propósito, na alcáçova mantinham-se as escavações no espaço do outrora fórum romano e do posterior bairro islâmico, paredes-meias com o cemitério da vila. 
Mais acima, porém, na subida que leva à porta principal do castelo, a intervenção surpreende: o acesso transformou-se numa inenarrável “escada branca de mármore”. Imagens e reprovação em http://tvmaravilha.blogspot.com/2009/05/aberracao-em-mertola.html
Com o sol a desaparecer para lá das colinas, as ruas ficaram ao sabor das luzes amareladas e ganham uma aura de mistério, as bancas acenderamm pequenos candeeiros, velas ou lamparinas, e o movimento abrandou. As pessoas andavam lentamente e juntavam-se nos restaurantes, à volta de quem tocava ou com o rio em fundo.
Aproveitámos o final do dia para espreitar uma exposição de fotografia que chamou a nossa atenção de viajantes: “Chaouen, typos e tipimismos en azul”, de Pepe Gutierrez. Lá estavam os azuis fortes e desmaiados  misturados no branco chocante, a tez e os traços típicos berberes, os recantos, os animais, as roupas. Deve ter sido o próprio fotógrafo que nos abriu a porta da 
exposição, aquela hora já fechada.

A noite ainda não estava no auge quando deixámos Mértola. Ao sairmos, ainda se dançava perto da porta principal das muralhas. Era um grupo marroquino, semelhante ao que actuou nas Marchas de Lisboa, neste último Junho. Estaremos mais próximo do Magreb?
Ainda não foi desta vez que conseguimos apreciar a noite do festival. O entardecer, esse, tem uma luz especial, típica do Alentejo, uma aura azulada a princípio, que se vai dourando, para depois surgir ocre no ocaso.


Ver o vídeo nesta dimensão