Saímos num sábado, 13 de Agosto. Percebe-se porquê.
Eram sete da manhã.
Doze horas depois, às sete da tarde,
estávamos no hostal "El Reloj", em Gualajarara.
estávamos no hostal "El Reloj", em Gualajarara.
Domingo, 28 de Agosto,
regressámos a casa.
Ainda fumávamos.
Entretanto, passaram 28 anos.
A chegada das férias estourava a imaginação com destinos mais longínquos e ousados. Já era habitual. O frenesim e o planeamento começavam nos meses anteriores. A preocupação era sobretudo com a logística. E a poupança tinha importância central.
Depois, vinha a preocupação com certas peças e as ferramentas que podiam fazer falta. Mas, também, com a componente burocrática, passaportes e autorizações de saída do veículo. Para o fim, ficava a revisão da moto e a escolha dos equipamentos. O itinerário era delineado com a ajuda de mapas normais e dos célebres mapas detalhados do ACP.
Nesta altura, vestuário e equipamento era ainda um misto entre funcionalidade, segurança e estética, e talvez não por esta ordem de prioridade, nem seguramente com grande grau de rigor. Mesmo assim, considerávamo-nos privilegiados com a possibilidade de, pelo mesmo, dispormos de duas rodas para viajar.
Mais mala menos mala, mais saco menos saco, era preciso garantir um espaço mínimo suficiente para condutores e penduras poderem desfrutar de uma viagem agradável. Eu já devia preocupar-me mais do que os restantes com o conforto, uma vez que era o único que dispunha de uma pequena carenagem que envolvia o farol dianteiro e assegurava uma protecção mínima contra a pressão do ar em andamento.
Nesta altura, vestuário e equipamento era ainda um misto entre funcionalidade, segurança e estética, e talvez não por esta ordem de prioridade, nem seguramente com grande grau de rigor. Mesmo assim, considerávamo-nos privilegiados com a possibilidade de, pelo mesmo, dispormos de duas rodas para viajar.
À saída... |
A idade e a vontade, aliada à experiência de viagem que havíamos acumulado de jornadas anteriores nos mesmos itinerários – Jarama, Andorra, Benidorm, Torremolinos – empurrava-nos de novo para a estrada e, desta vez, também não íamos sózinhos.
A ideia era, de novo, “dar uma volta a Espanha” e, de preferência, pela costa mediterrânica, uma espécie de reedição da nossa viagem de 81. Todos dispúnhamos de Hondas 750, modelo CB: uma K2, uma F1 e uma rara F2. Éramos seis, três casais de solteiros, praticamente vizinhos, colegas de liceu e amigos sem grandes queixas.
...sacos à frente e atrás... |
Apesar de todos trabalharmos, o dinheiro disponível para o périplo não permitia grandesr desvarios. Daí, o horizonte com despesas de alojamento e alimentação ser relativamente apertado, sobrando pouco, muito pouco para extras.
Aliás, a duração e o destino das viagens dependiam sempre do factor económico e sobretudo financeiro. Por tal, havíamos acordado que a opção campismo seria a melhor hipótese de não ultrapassarmos o orçamento. Isso implicaria que cada moto levasse um "contentor" de bagagem que contemplasse uma tenda de dois lugares, sacos cama, almofadas e colchões em duplicado.
Aliás, a duração e o destino das viagens dependiam sempre do factor económico e sobretudo financeiro. Por tal, havíamos acordado que a opção campismo seria a melhor hipótese de não ultrapassarmos o orçamento. Isso implicaria que cada moto levasse um "contentor" de bagagem que contemplasse uma tenda de dois lugares, sacos cama, almofadas e colchões em duplicado.
Isto aliado à roupa para duas pessoas (duas e meia, que as penduras levam mais…) para uma dezena de dias. E também aos apetrechos de higiene, às toalhas de praia e aos habituais vários pares de sapatos (da pendura). Enfim, um puzzle terrível para refazer a seguir a cada acampamento. Daí que, além das malas laterais, também dispusessemos de um saco de topo e ainda um saco de depósito.
... prontos para arrancar. |
Era hábito pararmos após percorrermos cem quilómetros, o que coincidia mais ou menos com Montemor-o-Novo. Outras vezes, o ponto de paragem entre Lisboa e a fronteira do caia era Arraiolos. No Caia, a rotina repetia-se: paragem, exibição dos passaportes, controlo de divisas, carimbo no passaporte.
Do lado de Badajoz, o costume era semelhante, substituindo o controlo de divisas pela troca destas e pela subscrição do seguro internacional, o inevitável papelinho cor-de-rosa. A partir daqui, surgia o calor. Porém, o piso melhorava, a via alargava-se e a estrada passava a contar com mais rectas.
Após passar Badajoz, o brilho dourado dos campos voltava a envolver-nos. Depois, era apenas a (pene)planície que se abria à nossa frente, rara de aldeias. E, como era habitual, pouco trânsito, um ou outro camião, um ou outro tractor, a proximidade dos amigos.
Após passar Badajoz, o brilho dourado dos campos voltava a envolver-nos. Depois, era apenas a (pene)planície que se abria à nossa frente, rara de aldeias. E, como era habitual, pouco trânsito, um ou outro camião, um ou outro tractor, a proximidade dos amigos.
A meio caminho entre Badajoz e Madrid levantavam-se os contrafortes da serra de Gredos, um marco habitual nas viagens que tinham a capital espanhola como destino. Quer pela diferença do relevo, quer por ser um local de reabastecimento tradicional, a “serra” – que contemplava uma quantidade razoável de curvas largas, mas sobretudo meia dúzia de ganchos de respeito – ou melhor, a “bomba da serra” era um lugar incontornável de paragem.
PASSAGEM NA "SERRA"
A estrada trepava suavemente alguns quilómetros antes da área de abastecimento, descia e, depois, voltava a subir de forma mais abrupta, para terminar a descer e finalizar com três valentes “ganchos” praticamente à vista da bomba. Um momento excelente de quebra de monotonia ao fim de uma tirada de cerca de duzentos quilómetros.
Almoço na famosa "bomba da serra", local d eparagem habitual a caminho de Madrid. |
Almoçámos à beira do Tajo, sob a sombra de árvores portentosas e de um calor terrível. Hoje, para lá chegar há que sair da via rápida para Romamgordo ou Casas de Miravete.
Ainda chegámos a parar em Talavera de la Reina. A entrada em Madrid deu-se ao fim de uma tarde cálida. O acesso a Guadalajara fazia-se (ainda se faz, também) através de uma via rápida que atravessava a zona industrial leste, uma vai-rápidaa (já) com muito trânsito.
Chegámos ao anoitecer. Procuramos hostal na zona antiga, mas já não dei com aquele onde havíamos ficado anteriormente. Desta vez, optámos pelo “Reloj”, que possuía um pequeno pátio andaluz, sedutor e espaçoso. Estacionámos as motos à porta. Saímos para jantar já de noite.
À porta do hostal "El Reloj". |
De manhã, arrumamos a bagagem e tomamos o pequeno-almoço já próximo do acesso à via rápida. Aproveitamos a frescura da manhã naquelas paragens - no planalto árido chega a estar muito frio nesta altura do ano - para cumprir as longas rectas que levariam a Medinaceli, e enfrentar depois os meandros da serra a caminho de Calatayud.
Excluindo estes dois oásis, o quadro viário passava de longas rectas a curvas sucessivas quer em planície quer em zona montanhosa onde uma quantidade de camiões tornava a progressão mais lenta.
Andorra La Vella, estacionamento da loja Campisport. |
Depois, o trânsito aumentava, a estrada tornava-se mais sinuosa e, a partir de Seo de Urgel, surgiam cada vez mais curvas que se estendiam quase até à capital andorrana. A quantidade de motos com que nos cruzamos também aumentava significativamente, sobretudo com destino ao paraíso de artigos motociclísticos que era Andorra.
ANDORRA, UM OÁSIS DE MONTANHA
Os últimos quilómetros que antecediam a fronteira eram deliciosos, não tanto pela qualidade do piso, mas sim pelo encadeado de curvas que acompanha os meandros do rio Valira, enfiado num desfiladeiro de sonho, para depois se espraiar numa albufeira de um verde espantoso, e onde era imprescindível parar.
Dali para a frente, fizemos mais “meia dúzia” de curvas e paramos na fronteira. Olharam-nos sem interesse especial e deixaram-nos seguir de imediato na direcção de Andorra-La-Vella, capital do principado, nesta altura governado em parceria pelo bispo de Urgel e pelo presidente da república francesa. Dez anos depois, em 1993, Andorra tornar-se-ia independente.
Camping Valira, Andorra La Vella. |
Tal como há dois anos, optámos por ficar alojados no parque de campismo Valira, situado na margem esquerda do rio com o mesmo nome, no início de uma encosta que bordeja o sul da cidade. O parque tinha uma vista impressionante quer sobre a cidade quer sobre o penhasco do outro lado do rio, um maciço xistoso que se levanta íngreme durante centenas de metros.
Uma bota a secar... |
Tabaco a 85 pesetas em Andorra. Provavelmente um pacote inteiro... |
Pequeno-almoço no camping Valira. |
Outro lugar mítico destinado a compras era Pas de la Casa, já na fronteira com França. Apesar de ser um pequeno burgo, os equipamentos para motociclistas era habitualmente de marcas francesas. Fomos lá pela manhã, e rapamos um frio tremendo após termos trepado a vintena de ganchos que nos põe a mais de dois mil metros de altitude. Depois, verificamos que os artigos expostos na Andorra 2000, a única loja de motos da urbe, eram mais interessantes do que os da capital, mas também mais caros.
Em Pas de La Casa. |
Sacos-cama a secar ao vento. |
EM FRANÇA POR UMAS HORAS
Quando abandonámos Andorra, voltámos a Escaldes, Soldeu e repetimos os ganchos na direcção de Pas de la Casa. Passamos a fronteira e continuámos a descer os Pirenéus franceses, não sem antes atestarmos os depósitos de gasolina a um preço delicioso, ainda do lado andorrano.
Paragem para arrefecer discos de travão. |
Continuamos para Perpignan com céu limpo e uma temperatura que não deixava de subir desde que havíamos deixado os Pirenéus. O ar estava quente e o sol queimava. Por isso, paravamos frequentemente, aproveitando todas as sombras disponíveis.
Ainda a arrefecer, noutro ângulo. |
ÁGUAS MORNAS EM TARRAGONA
Mais uma paragem, mais uma sombra. |
Só voltamos a deixar a auto-estrada a meio da tarde, quando saímos para Tarragona. Paramos no parque de campismo Mont Roig e gostamos do aspecto. Depois, entramos e percebemos que dispunha de muitas sombras e do Mediterrâneo a 20 metros. E ainda que era atravessado por uma via férrea.
Sombras magníficas no parque de campismo perto de Tarragona. |
Desmontagem das tendas no Mont Roig. |
BENIDORM SOB CHUVA
Saímos cedo. O tempo não estava nem tão soalheiro nem tão limpo como era costume. Não tardou a sermos obrigados a entrar numa área de serviço, para nos protegermos de uma chuvada que parecia iminente. E também para um ou dois privilegiados vestirem os fatos de chuva.
Ao abrigo da chuva... |
A caminho de Benidorm. |
Durante o tempo que passamos em Benidorm o padrão não se alterou: viver entre a hora de almoço e a madrugada seguinte, entre a praia e a discoteca, entre o bar da praia e a discoteca, ou seja, entre a Playa de Levante e o Papillon, entre o bar da Playa de Levante e o Pacha. Foram três dias em que poupamos os almoços.
O calor tanto se percebia no ar como na areia. O tempo aqueceu de tal maneira que, num dos dias, choveu, com tal intensidade que, daí a pouco, corriam rios de água, encostas abaixo. Ainda nos sentimos ameaçados, quando verificamos que tínhamos estacionado as motos à porta do prédio, exatamente no sítio por onde a torrente de água passava…
O rio que passava sob as motos, em Benidorm |
Fim de noite no miradouro. |
Afogámos as mágoas, já às tantas, com umas cervejas, numa espécie de miradouro – uma plataforma entre prédios – situado na encosta nascente da cidade. Daí, vislumbrava-se quase toda a cidade, mas sobretudo a primeira linha de praia, uma longa marginal polvilhada de prédios altíssimos. Tão tarde nos deitamos, que não conseguimos acordar a tempo de sairmos naquele dia. Ficámos mais um.
GRANADA SEM ALHAMBRA
Mais um reabastecimento. |
Em Lorca. |
O parque de campismo ficava próximo da praça de touros e não muito longe do centro. Acampámos paredes-meias com um autocarro de campismo onde se dormia em camadas. Estava tanto calor que, após montarmos a tenda, ao sol, todos mergulhamos na piscina. E "fomos ficando".
Entretanto, próximo do fim da tarde, lembramo-nos que devíamos aproveitar estar ali para visitar o Alhambra. Pegamos nas motos e trepamos até à colina "vermelha". Devido ao adiantado da hora, já não foi possível visitar qualquer dos lugares. Ficámos à porta do palácio de Carlos V…
À porta de Carlos V. |
A noite não nos mostrou grande coisa da cidade. Saímos com a sensação de que havíamos deixado muito (tudo, praticamente) para ver na cidade. Ficou a promessa de lá voltarmos passado pouco tempo. De manhã, saímos de Granada passando junto à praça de Touros.
SILHUETAS DE TORREMOLINOS
Saímos pela "nacional" na direcção de Antequera,onde fizemos uma pequena paragem. Daí, flectimos para sul, passámos por Málaga e paramos em Torremolinos. Optámos por ficar em quartos de aluguer. Salvoeero, era o quarto ano consecutivo que por ali ficavamos…
De tarde, reconhecemos os sítios habituais: praia do Barrondillo - a mais próxima e extensa - bem como a Vaca Sentada e a Gamba Alegre - os restaurantes mais populares do centro. A noite foi pelo bar Inglês - lugar de encontro de alguns portugueses - e pela discoteca Piper’s - a mais central de Torremolinos.
No dia seguinte, pegamos nas motos e trepamos a Mijas (diz-se "Mirras"), um lugar na falésia entre Fuengirola e Benalmadema, com pequenas casas de um branco miraculoso, conhecida pelos seus típicos burros-táxi. Do alto, estende-se o olhar para o mar e domina-se uma extensa faixa litoral da Costa do Sol.
Continuamos até Puerto Banus, poucos quilómetros a seguir a Marbella, lugar que já conhecíamos. Continuava simpática, a pequena marina andaluza, mas com preços de restauração elevados. Bebemos um café e regressamos a Torremolinos.
A meio da tarde, apreciamos o talento de um artista que fazia silhuetas, isto é, apaixonamo-nos por nós, e os "retratos" levaram-nos o dinheiro que restava para emergências...
Um capricho a dois |
"Retratos" por mil pesetas. Foram dois... |
SOB O CALOR DO COSTUME
A etapa seguinte levarnos-ia a casa. Optámos por sair via Málaga, seguir por Sevilha e apontar a Zafra. Estrada fora, voltamos a andar sob o calor habitual da Andaluzia que, no Verão, também empresta à paisagem um tom afogueado. Também nós saíriamos dali torrados, não fossem algumas sombras proporcionadas pelas paragens para reabastecer.
Mais um reabastecimento, mais uma sombra. |
Por volta de Sevilha, deixámos uma das motos a caminho do Algarve. Foi já no Alentejo que tiramos a última fotografia da viagem. Estava preste a terminar mais um périplo pela Península, em que havíamos percorrido cerca de 3300 quilómetros, neste Verão de 1983.
Última fotografia da viagem, já em Portugal. |
Segundo os registos daquele livrinho insuspeito, o nosso ipad dos anos 80:
- O seguro na fronteira espanhola, para Espanha, custou 250 pesetas;
- Ficamos no hostal em Guadalajara por 1320 pesetas;
- A portagem em Lérida foi às 220 pesetas;
- O seguro para França/Andorra custou 160 francos;
- Na discoteca Pacha, uma cerveja e uma Coca Cola, ficaram por 275 pesetas;
- A multa, em Benidorm, custou 1600 pesetas.