quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Da Glória ao Lavra, de Santa Justa à Bica

















Fevereiro 2009

Do miradouro de S. Pedro de Alcântara, o horizonte apresenta-nos a (outra) meia-Lisboa. Do lado de lá da avenida da Liberdade, que se estende a seus pés até ao Tejo, ergue-se a colina do Castelo. Deste lado, é a colina do Bairro Alto que a enfreta.

É daqui que partimos, em busca dos elevadores e de alguns miradouros da capital. Os primeiros, centenários, foram já considerados monumentos nacionais, glosados em música, filatelias ou telas. Os segundos, são mais de uma dúzia, a encimar as colinas de Lisboa, e a oferecer perspectivas diversas, dos vales às colinas, do casario, dos parques, do rio.

Escolhemos percorrer um circuito que contempla quatro elevadores e quatro miradouros. O passeio, com pouco mais de quatro quilómetros, demorou cerca de 3 horas, num ritmo calmo com esperas e observações tranquilas. O céu estava enevoado, com o sol tapado por um véu acinzentado que deixava o rio com uma cor parda e triste.


Na extremidade sul do miradouro, fica o Elevador da Glória. É ele que sobe e desce do Bairro Alto aos Restauradores. Foi essa ladeira que decidimos descer a pé, deixando o “amarelo” altivo, mas também embaçado por uma espécie de grafitos toscos.

Construído no final do século XIX, o Elevador da Glória conta com mais de 120 anos de funcionamento. Ficou imortalizado na música, nos anos 80, por uma canção dos Rádio Macau. Inicialmente, o sistema de deslocamento era feito por intermédio de cremalheira e cabo. Depois, passou a utilizar uma máquina a vapor e, só após cerca de trinta anos, começou a ser movido por motores eléctricos.

Dali, é um instante até ao Elevador do Lavra. Basta atravessar a avenida da Liberdade. É para a Pena, ali aos Mártires da Pátria, que queremos trepar. Desta vez, entramos no elevador. Um euro e quarenta cêntimos depois, arrumámo-nos nos bancos de madeira e despertámos para a primeira ascensão da manhã.

O do Lavra é o mais antigo dos quatro elevadores lisboetas, cuja antiguidade é, porém, disputada pelos muitos edifícios setecentistas que serve. O arranque é provocante, mas depois percebe-se que a tranquilidade da escalada remete mais para o entusiasmo da observação do que para a vertigem.

Ao passo que sobe, proporciona realmente um olhar agradável e repousado, efémero ainda assim, sobre raras vielas que se lhe atravessam no caminho. Ao seu lado corre uma ladeira em calçada portuguesa. Algumas passagens adivinham-se próximas das paredes das casas e, ao chegar ao cimo, um dos beirais mais próximos não fica a mais de três dedos da carroçaria do elevador.
Depois, embrenharmo-nos pela Pena. Entrámos na igreja do bairro, com altares ricamente decorados com talha dourada, limpa e brilhante. O tecto, em madeira pintada, é uma obra de arte, parecendo prolongar o 'pé direito' da igreja por intermédio de uma perspectiva exemplar.

As ruas são estreitas. Os vizinhos são-no, em toda acepção da palavra, sobretudo quando as suas janelas não distam mais de um par de metros. Há ruas sem saída, "quarteirões de três casas, trânsito automóvel nas vielas.

Descemos ao Rossio pelo Beco de São Luís da Pena, uma calçada com degraus baixos e largos. Percebe-se que ainda há muitas assimetrias, onde muros enfrentam janelas, o estacionamento é escasso, a recuperação tarda em surgir.
A seguir, o céu descobriu-se e a luz voltou a iluminar a Baixa. Atravessamos o Rossio em passo lento. Preferimos subir o Carmo a pé. O tempo aqueceu. Quando subimos a Calçada do Carmo, os blusões já iam folgados.
Os monumentos, as esquinas, as colinas, as vielas, ganham outra vida se procurarmos perspectivas diferentes. Na Baixa, não é difícil encontrar planos perpendiculares, aberturas rectilíneas, detalhes enlevados por geometrias fácéis.

Insistindo nessas descobertas, passamos o quartel da GNR e tomámos um passadiço metálico, a ladear as ruínas do Carmo, que leva ao topo do Elevador de Santa Justa. É o que leva à plataforma que envolve os andares superires do elevador.
Realmente, de este lugar, consegue-se entrever um novo horizonte que de estende a 360º. quer sob os nossos pés quer sobre o nosso olhar. É notório que Lisboa é um "sobe e desce" sistemático.

Na estrutura do elevador domina o ferro, em formas caprichosas ou clássicas que mostram arcos ogivais, flores e outros motivos estilizados.

Em redor da caixa do elevador um par de metros de balustrada deixa-nos a Baixa aos pés, pôe-nos a encosta do Castelo encostada ao nariz, o Tejo perto dos olhos.
Depois, foi a vez de espreitarmos mais de perto as torres da Sé e a cúpula do edifício da Câmara, através de largos portões de ferro. Estávamos próximo da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa.
Descemos à rua do Alecrim, que atravessámos a caminho da rua de S. Paulo, ao Cais do Sodré. Poucas lojas estavam abertas, e diminuto fluia o movimento automóvel e pedestre.

Pouco depois, espreita-se uma espécie de garagem e depara-se com um elevador parado sob tecto, o que corresponde a dizer que a estação fica debaixo de um prédio. Estamos no Elevador da Bica.

Entramos e esgotamos a lotação de lugares sentados: três bancos, cada um com três lugares.

O arranque voltou a surpreender. A ladear a progressão do elevador, uma rampa de calçada portuguesa, de início, e depois escadarias com degraus largos. Muita roupa seca ao vento nos estendais da calçada e das ruas que cruzam a ladeira.

Percebe-se a existência de muitas escadarias em pedra com corrimãos em ferro, algumas bastante íngremes, a convergirem para a rampa que o elevador galga e leva ao Calhariz. Sem curvas ou pausas, num instante estamos lá em cima.

Ali perto, fica o último miradouro da caminhada, o de Santa Catarina. Pequeno mas simpático, é dominado pela estátua do Adamastor. Com o Tejo aos pés e os telhados à mão, o miradouro parece estar a meia altura entre Cacilhas e o Cristo-Rei.


Para regressar à Glória, de onde estávamos, basta atravessar o Bairro Alto. E
scolhemos a rua da Rosa para enfiar por um bairro adormecido, quase deserto de gente e movimento.






Com raros estabelecimentos abertos, prosseguimos ao longo dos passeios desertos, estreitos e tortos, ao longo de fachadas pintadas por sprays manipulados por ‘artistas’ pouco habilidosos.
Próximo do ponto de chegada as nuvens voltaram e o céu tornou a escurecer. Quando nos despedimos, já tombava uma chuva fraquita. Pouco passava da uma da tarde.

Músico: Detlef Schwerter
Música: Orion